A ALEGRIA NA FÉ (São José Era Assim... Capítulo XIV)


A   ALEGRIA   NA   FÉ

 
Uma nota característica de São José que o Evangelho segundo São Mateus nos revela, é a disponibilidade total e flexível às diretrizes vindas dos céus. Para tudo o que diz respeito à sua atividade humana, às suas relações sociais, à sua profissão, aos seus dons naturais e a  todo o aspecto material de sua existência, o Evangelho não traz a menor palavra. Isso está a dizer que ele agiu em tudo e por toda parte, com uma inteira autonomia e perfeita lealdade. José soube tomar iniciativas e assumir responsabilidades. Porque era justo, ele comportou-se com retidão e integridade.
Como era de seu dever, José preparou seu porvir como se tudo dependesse de sua atividade. Ele não interferiu pessoalmente no mistério do Verbo encarnado. Ele ligou sua vida à Virgem Maria muito livremente e ambos construíram sonhos para o futuro, como todos os jovens noivos de Israel; sonhos mais bonitos ainda do que os daqueles outros jovens. Quando o Senhor veio tomar posse daquela que havia escolhido, José hesita em continuar seu caminho ao lado dela. Ele não queria, como diria mais tarde São Vicente de Paulo, “passar por cima da providência”.
Quando o anjo veio anunciar claramente a vontade de Deus, ele empenhou todo seu coração, e todas as forças para realizar plenamente aquela vontade. Segundo a forte expressão do Evangelho, ele “tomou Maria, sua esposa”. Até aquele momento, ele pensava ser para Maria “seu senhor e mestre”, desde então, ele será o servidor de “sua senhora, mãe de seu Senhor”, como diz São Bernardo. E ei-lo a serviço de uma grande causa, aquela da redenção do gênero humano. O anjo lhe diz: “Tu o chamarás Jesus, pois é ele que salvará seu povo de seus pecados”.
É na calma da noite que ele recebe a luz. Naquele momento, o espírito e o coração estão em paz; eles estão mais disponíveis, mais acolhedores, às moções do Espírito Santo. Foi sob o influxo do Espírito Santo que ele partiu para o Egito e é sob o mesmo influxo que ele voltou para a terra de Israel. Agora ele espera determinações da vontade de Deus, já que obstáculos se levantam diante de seus passos. Ele não pode agir senão em conformidade com aquilo que o Pai decidiu.
A manifestação do anjo a São José, chegando à Judéia, é a última que é citada no Evangelho, mas o conteúdo da mensagem não é indicado. O anjo respondeu às questões que José se pusera; é na Galiléia, em Nazaré, que se passará a infância do Salvador. O anjo não disse “Toma o menino e sua mãe” e não está escrito que “José tomou o menino e sua mãe”. É a viagem dentro de um ambiente de liberdade e de alegria. José e Maria vão rever Nazaré, aquela aldeia que lhes trazia tantas lembranças deliciosas e importantes.
De Gaza, eles logo se dirigiram para o norte, seguindo o litoral do Mediterrâneo. Como estavam menos apressados do que na partida, e como não eram esperados em Nazaré, eles devem ter tomado o tempo para refletir à vontade sobre as cenas bíblicas que lhes recordava cada lugar por onde passavam. Gaza ficara famosa pelas lutas de Sansão contra os Filisteus; Azoth lembrava o cativeiro da Arca da Aliança e as desaventuras do deus Dagon; as planícies de Sefelá e de Saron cantavam sua fertilidade, seus campos de trigo e seus pomares. Os viajantes passaram por Jaffa, antiga Joppé onde tinha embarcado Jonas; evitaram Cesaréia, residência dos reis idumeus e dos procuradores romanos. Era a rota das caravanas e dos exércitos.
Enfim, apareceu o promontório do Monte Carmelo, a montanha santa de onde Elias, o homem de Deus, havia percebido a nuvem ligeira chegando do mar e crescendo rapidamente até derramar águas abundantes sobre a região castigada por três anos de seca. José, no fundo do seu coração, pensava que a pequena nuvem, não maior do que um passo de homem, era o símbolo profético de sua esposa que trazia ao mundo, não uma simples chuva, mas rios de água viva. Ele deve ter murmurado a meia voz alguns versículos do Cântico dos cânticos: “Tua cabeça que se alteia como o Carmelo, e teus cabelos cor de púrpura, enlaçando o rei nas tranças” (Ct 7,6). Ou mesmo estes versículos de Isaías: “A glória do Líbano é-lhe dada, bem como o esplendor do Carmelo e de Saron” (Is 35,2). Textos que tão bem se aplicam à mãe e ao menino.
Herodes morreu no início do mês de abril, pouco antes da Páscoa dos judeus. O retorno do Egito deve ter acontecido em fins de abril ou início de maio, ou seja, no final da primavera ou início do calor forte. A brisa do mar amenizava esse calor, o perfume capitoso das flores e a beleza dos lugares, sem omitir a evocação do passado, alegravam os corações. Agora, Nazaré já não estava mais muito longe. Os viajantes atravessaram a planície do Cison, venceram algumas colinas arborizadas e desembocaram na planície de Esdrelon. Havia uma imensa plantação de trigo onde já trabalhavam os ceifeiros.
Ao aproximar-se de Nazaré, José e Maria devem ter-se perguntado que acolhida iriam receber e em que estado encontrariam a casa. O Evangelho não nos diz nada. Melhor assim, a sagrada família fica mais próxima de nós. Eles tinham amigos, e foi grande o prazer de se reencontrar; havia curiosos ávidos para inventar histórias para explicar aquela longa ausência; havia desconfiança e boatos, era inevitável. Numa aldeia quer-se e acredita-se saber de tudo. Depois, o ateliê tinha sido ocupado ou tinha ficado abandonado. Em um caso ou noutro, havia problemas a resolver-se. Se a casa tinha ficado desabitada, ela sem dúvidas tinha sido visitada por ladrões.
José e Maria precisaram guardar um silêncio absoluto sobre a maior parte dos acontecimentos que eles viveram. Não era aquele o momento de revelar ao mundo a presença do Salvador. Por outro lado, como o povo de Nazaré poderia levar a sério as palavras de José e de Maria, se não acreditou no Cristo mesmo depois de ter ele provado sua missão com numerosos milagres? Sobre os primeiros anos de Jesus em Nazaré, São Mateus não diz uma palavra, e São Lucas resume tudo nesta simples frase: “O menino crescia e tornava-se forte; enchia-se de sabedoria e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40).
Todos os escritores, antigos ou modernos, aprazem-se em atribuir aos seus personagens, reais ou fictícios, lampejos de gênio desde a mais tenra infância. Ali, nada parecido. Os evangelistas são extremamente discretos. Não citam nenhuma palavra de Jesus que leve a crer numa criança prodígio ou simplesmente precoce. Isso indica que o Filho de Deus não fingiu tomar a nossa natureza humana, assumiu-a totalmente, assim como nós a temos. São Paulo dirá: “Primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8,29). Na epístola aos Hebreus, está escrito: “Ele devia fazer-se semelhante em tudo a seus irmãos, a fim de se tornar, junto de Deus, um sumo sacerdote misericordioso” (2,17).
O corpo de Jesus, como o de todas as crianças, desenvolve-se, seus membros se firmam; logo ele balbucia as primeiras palavras e ensaia seus primeiros passos. É fácil adivinhar a alegria de Maria e José durante os primeiros anos de Jesus. Tudo é luz dentro de um jovem lar quando chega o primeiro filho. Quem poderá dizer as alegrias de Maria e de José, dia após dia, diante daquela criança que os céus lhes haviam dado! Quem poderá avaliar a profundidade de suas emoções quando Jesus lhes manifestar seus primeiros gestos conscientes de ternura? E depois, quando ele pronunciar as tão esperadas palavras abbá! papai! e ammá! mamãe!
É bom meditar sobre a infância do Senhor e tomar parte na alegria de Maria e José. Porém, uma tal meditação arrisca ser estéril se não ultrapassar a moldura poética que a imaginação pode enfeitar à vontade. Não basta desfrutar alegrias estéticas, admirar a beleza da mãe e da criança, apiedar-se da pobreza da casa e do trabalho de São José. Jesus não veio a Nazaré para aumentar o decoro, mas para fazer avançar o reinado de Deus. 
É necessário despertar a nossa fé, a fim de descobrir a passagem do Senhor por esses acontecimentos. Imaginação e sensibilidade são úteis, e até necessárias, mas insuficientes para descobrir o mistério de José e de Maria. Nós, que sabemos o que aconteceu em seguida: o ensinamento de Jesus, seus milagres, sua paixão, sua ressurreição, sua Igreja com tudo aquilo que nos trazem os Evangelhos e as Epístolas, nós admitimos sem dificuldades que aquela criança, aparentemente como todas as outras, era de uma natureza transcendente. Mas para José e Maria, eles não viam senão uma criança incapaz de bastar-se a si mesma; um menino que tinha fome, que sentia frio, que gritava, que chorava, que sofria e que dependia totalmente de outrem.
Isto de sujeitar-se às necessidades da natureza e da completa dependência, era uma grande prova para a fé de Maria e de José. Dia após dia, eles deviam repetir para si mesmos que, aquele menino que vagia a seus olhos era o Filho do Altíssimo, aquele que rege o universo e por quem foram feitas todas as coisas. Por duas vezes, São Lucas nos diz que a Virgem Maria recolhia e meditava todas essas coisas em seu coração (2,19 e 51). É preciso dizer o mesmo de São José. Sem dúvida nenhuma, José conservava em seu coração tudo o que ele via e entendia a fim de refletir sobre o que o Senhor lhe ensinava através daqueles acontecimentos. Os fatos e gestos do Senhor são uma fonte inesgotável de meditação quando alguém sabe ir além das aparências e reencontrar a pessoa mesma de Jesus, Filho de Deus.
Mais tarde, Jesus irá dizer: “Abraão estremeceu de esperança ao pensar em ver o meu dia; e ele o viu, e essa foi a sua grande alegria” (Jo 8,56). E ainda: “Felizes os vossos olhos, porque eles vêem! Felizes os vossos ouvidos, porque eles ouvem! Em verdade, eu vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, entender o que  entendeis, e não entenderam” (Mt 13,17). Os ouvintes de Jesus não sabiam da sua felicidade. O povo de Nazaré, salvo exceção, ignorava o tesouro de ciência, de poder e de amor que se escondia em sua cidade. Felizes de José e Maria! Eles viram, eles entenderam, eles tocaram o Verbo da vida.
São Bernardo gostava de imaginar São José carregando Jesus aos ombros, durante a viagem de ida e retorno do Egito. Ele dizia que em Nazaré José precisou amiúde carregar Jesus no colo e sorrir para ele. Nisso ele é modelo dos corações em busca de Deus (Cant. 43,5). O abade de Claraval entrevia a felicidade de José em suas relações com Jesus na intimidade de seu lar. Depois de dizer que Deus revelara a José segredos que nenhum príncipe deste mundo jamais conheceu, ele acrescenta: “Em uma palavra, aquele que numerosos reis e profetas desejaram ver e não puderam, quiseram entender e não conseguiram, foi dado a José não somente para ver e entender, mas ainda para carregar, guiar seus passos, abraçar, cobrir de beijos, nutrir e velar sobre ele” (Mis. 2,16).