SÃO JOSÉ E A IGREJA (São José Era Assim... Capítulo XXIII)


SÃO JOSÉ   E   A   IGREJA


Paulo Claudel, falando sobre a família de Nazaré, escreveu: “Não há aqui mais do que três pessoas que se amam, e são eles que irão mudar a face do mundo”. Essa frase curta, que assume ares de um paradoxo, recobre uma realidade profunda. Para melhor compreender a frase, é preciso colocá-la no presente. É agora que aquelas três pessoas se amam e estão mudando a face do mundo. Aparentemente, eram coitados, pois não tinham nem riquezas, nem protetores, nem meios de ação. Na verdade, são eles que enriquecem o mundo, muito além do que a humanidade poderia desejar.
Deus deu o seu Filho ao mundo como um fermento divino que devia transformar tudo a partir do interior. Para essa obra de renovação, o Senhor escolheu colaboradores, não por necessidade, mas por benevolência. Em primeiríssimo lugar, Maria e José. A pequena família de Nazaré é o centro e a origem de toda a Igreja. Jesus, Maria e José continuam a amar-se nos céus e a mudar a face do mundo. José e Maria continuam nos céus a sua afetuosa solicitude pelos membros do corpo místico de Cristo.
Todos os agrupamentos humanos sentem a necessidade de situar-se sob o patrocínio de algum grande nome. É uma proteção, uma marca de identidade e, mais especialmente, um importante fator de unidade. Conhecemos o papel que exercem os padroeiros para as corporações. As igrejas, as paróquias e as dioceses escolheram um protetor especial nos céus. O mais freqüente é Nossa Senhora, depois João Batista, São Martinho, os mártires ou os santos locais. São José só a partir da Idade Média foi invocado como protetor.
Fundações de missas, altares, capelas, são feitas em honra de São José com capelães e obrigações particulares. Isso para prestar homenagem ao santo, mas, mais ainda, para obter as boas graças do Salvador. Pensa-se, com efeito, que não se pode causar maior prazer a Cristo do que honrando a Virgem Maria e São José. Há a convicção, e com razão, que alguém obterá mais do Senhor honrando àqueles que ele amou na terra, do que pedindo por si mesmo algum favor particular.
Assim Gerson, no século XV, conta que seu amigo e confidente, Henrique Chiquot, mestre de teologia, deixou por testamento para a Catedral de Chartres, uma vultuosa soma para que, a cada ano, se fizesse, em lugar de um ofício para o repouso de sua alma, uma festa em honra de São José. Gerson convida o duque de Berry a imitar aquele exemplo. Pediu-lhe que trabalhasse pelo estabelecimento de festas em honra de São José, assegurando-lhe que isso lhe haveria de trazer maior glória do que um magnífico túmulo e ofícios solenes dos defuntos. Ele explica que é benéfico tomar José como “especial protetor, bom amigo, poderoso intercessor junto a Nossa Senhora e seu Filho Jesus”.
Foram fundadas companhias, um pouco por toda parte, em honra de São José; colégios, igrejas, dioceses, hospitais, universidades, etc. colocam-se sob o patrocínio de São José. O movimento intensifica-se nos séculos XVII e XVIII. Numerosas congregações, sobretudo femininas, são fundadas sob o seu vocábulo. Províncias e países inteiros escolhem-no como protetor. São José é nomeado padroeiro geral do México desde 1555; o Canadá é consagrado a São José a 19 de março de 1624. Trinta anos mais tarde, em 1655, é a vez do Perú e a Boêmia. No Perú, José é chamado Conservator pacis: defensor da paz. Faz alguns séculos que a Bélgica tem-se mostrado particularmente devota de São José. O Papa Inocêncio XI deu-lhe esse santo oficialmente, como padroeiro e protetor, a 19 de abril de 1679. No ano precedente, esse mesmo Papa havia aprovado formalmente a escolha de São José como padroeiro da China, a 17 de agosto de 1678.
 Assim, um pouco por toda parte na Igreja, mesmo nas regiões mais afastadas, o povo cristão tem a intuição de um papel de protetor confiado por Deus a São José. Daí a necessidade de concretizar essa intuição pela celebração de uma festa litúrgica em honra do seu patrocínio. A escolha do dia é significativa, é o domingo Iubilate Deo, o terceiro depois da Páscoa. Prefere-se essa data ao dia 19 de março, a fim de situar José dentro da luz da ressurreição do Cristo e afirmar sua presença dentro da Igreja, corpo místico de Cristo. Essa festa foi adotada pelos carmelitas da Espanha e da Itália em 1680, depois por outras famílias religiosas e por dioceses. Durante o século XVIII centenas de pedidos foram enviados a Roma. Em 1847 essa festa estendeu-se à Igreja universal.
Ao mesmo tempo, desencadeia-se um movimento de petições para obter que o Papa reconheça solenemente o padroado de São José, não somente sobre as igrejas particulares, comunidades locais, ou mesmo inteiras regiões, mas sobre a Igreja universal e o mundo inteiro. Para além de um particularismo e de um pluralismo legítimos, era útil descobrir um padroado universalista que pudesse unificar os corações e os espíritos. Ninguém mais apto a cumprir essa missão unificadora do que São José.
Durante o século XIX, numerosas petições foram enviadas a Roma para obter que o papa declare São José padroeiro universal da Igreja. Um ano antes do primeiro concílio do Vaticano, o Papa Pio IX reconheceu que ele já havia recebido pessoalmente mais de quinhentas cartas da parte de bispos do mundo inteiro de fiéis de todos os países. Uma dessas cartas o havia tocado particularmente, a do Pe. Lataste, dominicano, fundador das dominicanas de Betânia, que havia oferecido a sua vida para que São José fosse proclamado padroeiro da Igreja e para que seu nome fosse inscrito no cânon da missa.
O concílio abriu-se a 8 de dezembro de 1869. Devia examinar os graves problemas que propunham à Igreja os redemoinhos doutrinais, políticos e sociais que agitavam o mundo. A questão da Igreja corpo místico de Cristo, e guardiã da verdade, estava no centro das preocupações. A atenção dos Padres volta-se primeiramente sobre a questão da infalibilidade, o que suscita ásperas controvérsias nos jornais, e faz passar para segundo plano os outros temas de discussão. O concílio precisou interromper suas sessões por causa da guerra franco-alemã em julho de 1870, e da tomada de Roma dois meses mais tarde.
Entrementes, uma petição que circulava entre os bispos, cobriu-se de assinaturas. Ela postulava que o concílio reconhecesse oficialmente São José como padroeiro de toda a Igreja. A forçada dispersão dos Padres conciliares não permitiu tomar uma decisão, mas o Papa Pio IX não quis deixar passar em silêncio essa petição. A 8 de dezembro seguinte, aniversário da abertura do concílio, ele fez publicar o decreto Quemadmodum Deus que proclamava São José padroeiro universal da Igreja.
Para sublinhar a importância desse acontecimento, Pio IX quis que a proclamação fosse feita simultaneamente nas três grandes basílicas patriarcais de São Pedro, Santa Maria Maior e São João do Latrão. Ele escolheu de propósito a festa da Imaculada Conceição e quis que o anúncio fosse feito durante a celebração eucarística. Ele sublinhava assim os laços que existiam por causa de Deus, entre São José e a Virgem Maria, entre a Igreja dos céus e a da terra, entre a eucaristia e a santificação dos membros de Cristo.
No decreto, o Papa enumera os motivos que o determinaram a tomar uma tal decisão. Primeiramente, a escolha mesma de Deus que fez de José o seu homem de confiança, em cujas mãos ele entregou aquilo que tinha de mais precioso. Em seguida, há o fato que a Igreja sempre honrou São José com a Virgem Maria e que, nas circunstâncias inquietantes, ela tem recorrido com sucesso à sua proteção. Como os males que atualmente acabrunham a Igreja são inumeráveis, o Papa põe-se pessoalmente, e com ele a todos os fiéis, sob a proteção de São José.
Esse gesto é, da parte de Pio IX, uma marca de bravura, um verdadeiro gesto profético. Pense-se às trágicas circunstâncias em que ele se encontrava. Todos os seus Estados, acabavam de ser-lhe tomados; algumas semanas mais e logo as tropas piemontesas iriam tomar Roma. O Papa era prisioneiro no seu palácio do Vaticano. Ele ficaria prisioneiro de plena vontade a fim de salvaguardar sua liberdade e a da Igreja. O novo rei da Itália ofereceu-lhe sua polícia e suas tropas para protegê-lo, muitas nações o convidaram para vir instalar-se entre elas. Pio IX recusou todas essas ligações para não depender de um governo protetor, e sobretudo para manter em Roma o centro da Igreja.
No mesmo dia em que o Papa proclamou São José padroeiro universal da Igreja, os fiéis de Roma, que haviam assistido às funções, foram insultados e maltratados na saída das igrejas. À tarde, de baixo das janelas do Vaticano, exaltados gritavam: “Morte ao Papa!” Muita gente acreditava e espalhava que, com a queda dos Estados Pontifícios, tinha acabado a Igreja. Pio IX pensava diferente. Em um breve datado de 7 de julho de 1871, Inclitum Patriarcham, ele fez o mundo inteiro conhecer a sua decisão; ele recorda aquilo que seus predecessores, e ele mesmo, tinham feito para promover a devoção dos fiéis a São José; e nota que as perseguições sofridas pela Igreja nos últimos tempos provocaram um aumento de confiança na proteção de São José.
O início desse breve Inclitum Patriarcham é de grande importância: “O ilustre patriarca, o bem-aventurado José, Deus o escolheu de preferência a todos os outros santos para ser sobre a terra o castíssimo e verdadeiro esposo da Imaculada Virgem Maria, e o pai putativo de seu Filho único. Com o fim de permitir a José o perfeito cumprimento de encargos tão elevados, Deus o cumulou de favores completamente singulares, e multiplicou-os abundantemente. É com razão que a Igreja católica, agora que José está coroado de glória e de honra nos céus, cumula-o de amplas manifestações de culto, e que ela o venera com íntima e afetuosa devoção”.

Entre os signatários do Postulatum que pedia ao concílio para proclamar São José patrono universal da Igreja, e que os seu culto público se desenvolvesse na liturgia, contava-se trinta e oito cardeais, e duzentos e dezoito patriarcas, primazes, arcebispos e bispos de todas as partes do mundo. A última das assinaturas de cardeais foi a de Joaquim Pecci, o futuro Leão XIII. Tornado Papa, ele irá publicar a 15 de agosto de 1889 a encíclica Quamquam pluries sobre o verdadeiro lugar de São José na Igreja e sobre as razões que temos para invocá-lo.
O Papa pede “que o povo cristão habitue-se a implorar, com grande piedade e profunda confiança, São José ao mesmo tempo que a Virgem Maria”. Essa prática é mais agradável a Nossa Senhora do que regozijar-se. A devoção a São José já está largamente difundida, mas o papa crê de seu dever incitar os cristãos para que essa devoção “enraize-se profundamente nos usos da tradição católica, pois ela é de uma importância extrema”.
Leão XIII explica o papel de São José na Igreja: “A sagrada família que São José governa, como investido de autoridade paternal, contém em gérmen a Igreja. A santíssima Virgem Maria, ao mesmo tempo que ela é mãe de Jesus Cristo, é também mãe de todos os cristãos... Igualmente, Jesus Cristo é como o primogênito dos cristãos que são seus irmãos de adoção e de redenção. Eis as razões pelas quais São José sente que a multidão dos cristãos foi-lhe confiada tão particularmente. Essa multidão é a Igreja, imensa família dispersa por toda a terra. Ele tem sobre ela autoridade paternal, pois ele é o esposo de Maria e o pai de Jesus. É lógico que José cobre agora a Igreja com o seu patrocínio, como ele proveu outrora a todas as necessidades da sagrada família”.
Para realçar ainda mais o seu desejo de ver os fiéis unirem José e Maria em suas orações, ele pede que se termine a recitação do rosário com a invocação a São José: “A vós, São José, recorremos em nossa tribulação...”