IRRADIAÇÃO UNIVERSAL (São José Era Assim... Capítulo XXII)


IRRADIAÇÃO UNIVERSAL


Com as cruzadas, multiplicaram-se as relações entre Ocidente e Oriente próximo. Peregrinos e cruzados trouxeram numerosas relíquias cuja autenticidade é, por vezes, duvidosa. Aquela busca de relíquias demonstra um interesse real por tudo o que se refere ao Cristo e àqueles que viveram com ele. Autênticas ou não, as relíquias testemunham uma real devoção. Para aquilo que se refere à Virgem Maria e a São José, os objetos que trouxeram ainda vinham de antigas igrejas a eles dedicadas. Isso está a mostrar que, bem cedo, construíram-se igrejas em honra de Maria e de José para a maior glória de Cristo.

Mantos, véus, cintos, anéis, bastões, etc., sem ser necessariamente os objetos usados por Maria e José, são amiúde reproduções daqueles mesmos objetos, que se tornaram lembranças a fim de aumentar a devoção. Ademais, vinham de um santuário venerado dentro do qual a presença de Maria e de José revelara-se benevolente. Algumas vezes, também, Ai!, houve lamentáveis velhacarias às quais se entregaram os Levantinos para ganhar mais dinheiro sem grande despesa. A maior parte dessas relíquias custou muito caro.

            Pelo que toca a São José, precisamos citar em primeiro lugar um cinto. O Senhor de Joinville trouxe-o quando de sua expedição no Oriente com São Luís. Para conservar esse cinto, foi preciso construir uma capela dentro do castelo. Por devoção a São José, ele quis ser sepultado perto dessa capela. Joinville permanece um dos locais mais antigos de peregrinações por causa de São José, na França. Gerson diz que no tesouro de Notre-Dame de Paris, encontram-se as alianças de noivado de José e Maria. Numerosas são as igrejas que se gloriam de possuir um anel de São José. Citamos, em particular, Semur, na Borgonha, bem como Perugia e Siena, na Itália. Em Florença conserva-se um dos seus bastões e, em Roma, o seu manto.
É evidente que os inumeráveis favores obtidos junto a essas “lembranças” de São José, não são devidos ao objetos mesmos, que restam coisas insensíveis, mas à fé daquele que faz o pedido, e à intercessão de São José junto a Deus. Os objetos sagrados não são mais que um chamariz da presença da pessoa. O mesmo se diga das relíquias; elas não têm poder por si mesmas, mas sua presença é um chamariz da pessoa do santo, ao mesmo tempo que um estímulo para a fé e a confiança. Pelo que concerne as relíquias propriamente ditas de São José, elas são raríssimas. Essa ausência quase total de relíquias é utilizada como argumento em favor de uma ressurreição antecipada de José. Alguns acham que José faz parte dos santos de que fala o Evangelho segundo São Mateus, que ressuscitaram e mostraram-se em Jerusalém no dia da Páscoa. Ele teria subido aos céus com o Cristo no dia da ascensão. Nada permite afirmar uma tal hipótese e nada permite negá-la. Os mortos de que se fala, estão em Jerusalém, e José, pensa-se, morreu em Nazaré.
Com as cruzadas, os Evangelhos apócrifos invadiram pouca a pouco o Ocidente e influenciaram profundamente a arte, a poesia, a piedade e até a teologia. A grande figura de São José sofreu a repercução. Nas “natividades” da arte romana,  representa-se São José como um personagem sentado numa cadeira de honra, vestindo um manto suntuoso. Tem olhos muito abertos e uma atitude de admiração e de espanto. Uma das mãos apoia a face enquanto a outra segura um bastão em T, sinal de precedência. Está na força da idade.
Dali para frente, há muitas obras-primas, mas a figura de São José passa para o último lugar. Há um ancião, sem dúvidas feliz, mas que não está lá senão por decoro ou utilidade. Fazem-no segurar uma lanterna ou ocupar-se de animais. As cenas contadas pelos apócrifos são postas no mesmo plano que os fatos evangélicos. Quando põem um bastão na mão de São José, não é mais o bastão da presidência, mas o bastão florido da lenda. Essas flores serão, pouco a pouco substituídas por lírios, símbolo da pureza. José torna-se um personagem muito venerável, mas inofensivo. Bossuet fala do “santo ancião”.
Malgrado essas deformações inevitáveis, o culto de São José progrediu lenta, mas seguramente. Entre aqueles que melhor discerniram qual era o papel de São José na Igreja, está João Gerson, chanceler da Universidade de Paris. Ele trabalhou toda sua vida para tornar São José melhor conhecido e estender o seu culto. E fê-lo em circunstâncias, não somente críticas, mas catastróficas, para a França e para a Igreja. A guerra dos Cem Anos alcançava  seu paroxismo; o rei Carlos VI estava acometido de demência; os grandes do reino disputavam a preeminência; os problemas sociais multiplicavam-se. Gerson tinha visto sua casa ser pilhada e, para escapar da morte, tinha-se refugiado nas altas torres de Notre-Dame de Paris.
Dentro da Igreja, a discórdia estava no seu auge. Mal havia o papado recuperado Roma, após o longuíssimo cerco de Avignon, e começou o grande cisma do Ocidente que devia durar mais de meio século. Uma dupla eleição de papas dilacerava a cristandade. Intrigas, iniciativas generosas, intervenções de príncipes, discussões teológicas e canônicas, reuniões de concílios só fizeram complicar a situação. Em lugar de dois papas, fizeram três. A Igreja jamais sentira tão dolorosamente a exigência de unidade; e nunca ela teve tão clara a consciência de sua impotência para realizar essa unidade por meios humanos. Gerson, na qualidade de chanceler da Universidade e de Notre-Dame de Paris, esteve envolvido em todas as crises de seu tempo, religiosas e políticas. Aquilo que nos interessa é menos a atividade intelectual e política de Gerson, do que a solução que ele preconizou para a França e a Igreja saírem do impasse. Essa solução, muito simples e sempre atual, é o recurso a São José. Um tal remédio, para tais males, parece inadequado. Por isso, Gerson o propôs com insistência.
Deram a Gerson o título de “doutor cristianíssimo” por causa de seu imenso amor pela Igreja. É o seu amor por Cristo e pela Igreja que o leva até a Virgem Maria e São José. Ele gosta de meditar sobre o mistério do matrimônio de José e Maria. Esse matrimônio, que ele denomina “Desposação de Nossa Senhora”, embora todo virginal, não deixa de ser um verdadeiro matrimônio. Ele significa com perfeição a união do Cristo e da Igreja. Dele decorrem a santidade de José e o seu verdadeiro lugar na Igreja.
A união de corações e de espíritos em Nazaré, e a paz que é sua conseqüência, é para Gerson o ideal rumo ao qual deve tender a Igreja. Honrar aquele casamento é glorificar o Cristo que, em troca, refará a unidade da Igreja. Uma festa litúrgica cristalizaria a atenção dos cristãos sobre esse mistério e favoreceria a unidade.
Por volta de 1400, Gerson compôs um esquema de ofício litúrgico para a “Desposação de Nossa Senhora” e em 1413 iniciou uma vasta campanha  para o estabelecimento dessa festa. Para ele, o casamento com Maria é para São José a fonte de todas as suas prerrogativas. Esse casamento supõe uma preparação da parte de Deus antes do acontecimento, depois, um lugar privilegiado nos céus, com um poder de intercessão em favor de toda a Igreja. Um dos motivos de escolher José foi assegurar “assistência e bons serviços” a Maria e a Jesus. Isso supõe que José “não foi velho, feio, ou impotente”, senão ele teria sido um peso mais do que uma ajuda. José era, se não um rapaz, ao menos um homem viril. Para conservar a castidade, a graça do Espírito Santo é mais eficaz do que a idade avançada.
Aqueles “bons serviços” José continua ainda a prestá-los em favor da Igreja. Não se pode duvidar de sua glória e de seu crédito nos céus, pois Jesus disse: “Lá onde eu estou, estará também o meu servidor, e se alguém me serve, meu Pai o honrará” (Jo 12,26). Ninguém, depois de Maria, esteve assim totalmente a serviço de Cristo. Sua intervenção será eficaz para a paz na Igreja e no reino. Gerson também multiplica as tentativas para que se generalizem as festas em honra de São José, especialmente a “Desposação de Nossa Senhora”. Em 1413, ele envia uma circular a todas as igrejas para promover essa festa, depois uma exortação para demonstrar que a extensão do culto a São José seria um remédio apropriado aos males atuais.
Um pouco mais tarde, no concílio de Constança, o zelo de Gerson pode desdobrar-se sobre um terreno mais vasto. Ele participou daquele concílio como delegado do rei da França e da Universidade de Paris. Em 8 de setembro de 1416, ele foi escolhido para proferir o sermão sobre a natividade de Nossa Senhora. Gerson escolheu como texto: Iacob autem genuit Ioseph, do evangelho do dia. Fala sobretudo de São José esposo de Maria. Como uma das finalidades do concílio é suprimir o escândalo de três papas, Gerson pede aos Padres que ponham a Igreja sob a proteção de São José e favoreçam o seu culto, “a fim de que a Igreja seja devolvida a seu único esposo, verdadeiro e certo, o soberano pontífice, esposo que ocupa o lugar do Cristo... pois é atordoante a tua alteza e incompreensível tua dignidade, ó José! A Mãe de Deus, rainha dos céus, soberana do mundo, não desdenhou chamar-te seu senhor!”
No século seguinte, Isidoro de Isolanis, um dominicano, insiste como Gerson, sobre a importância do culto de São José para a paz no mundo e a extensão missionária da Igreja. Na sua obra Somme des prérogatives de saint Joseph ele suplica ao Papa ordenar que a Igreja universal celebre todos os anos as festas em honra de São José, para obter o fim das guerras. Escreve: “Não é com leviandade que eu creio que a paz será estabelecida na Itália graças aos privilégios de São José... Pelas honras prestadas a esse santo, a Igreja militante receberá do alto um grande poder. Quando a Igreja recobrar a paz, poderá derramar a água do batismo sobre as nações bárbaras, e pregar a todos os povos o nome de Cristo. Graças às orações do esposo da rainha dos céus, a bela Ásia abandonará Maomé pela Igreja, e também Jerusalém que crucificou Jesus terá veneração pelo papa”. Esses textos, escritos em 1522, têm algo de profético e permanecem atuais.
Assim, desde aquela época, almeja-se uma escolha particular de São José como protetor e como intercessor. É a época em que a crise nascente do protestantismo põe muitas coisas em cheque, e que as grandes descobertas marítimas permitem a evangelização de novos povos. Aquele século XVI foi também o de Santa Teresa d’Ávila (1515-1582). Essa grande mística muito contribuiu para a extensão da devoção a São José.
Ela escreve: “Eu invoco o glorioso São José para advogado e patrão... Eu sei por experiência, São José nos assiste em todas as nossas necessidades. Nosso Senhor atende, nos céus, a todas as orações daquele a quem ele obedeceu na terra... Eu gostaria de levar todo mundo à devoção a esse santo, tão vasta é a experiência de seu crédito junto a Deus. Não conheci ninguém a ele verdadeiramente devotado, que não avançasse na virtude, pois ele favorece singularmente o progresso espiritual daqueles que se confiam a ele. Já há anos que lhe peço um favor particular no dia de sua festa, e todas as vezes eu fui atendida. Se o meu pedido não é exatamente aquele que devia ser, ele o retifica para meu maior bem.
“Eu peço pelo amor de Deus,   àqueles que não me crerem, que façam a prova. Eles reconhecerão por experiência própria que vantagem leva-se da intercessão desse santo. Sobretudo as almas de oração, deveriam honrá-lo com um culto particular” (Vida,c.6).