UMA GRANDE ALEGRIA PARA TODO O POVO (São José Era Assim... Capítulo VIII)


UMA  GRANDE  ALEGRIA  PARA  TODO  O  POVO


 Natal é festa de luz e de alegria. É verdadeiramente, “de alegria para todo o povo” como o anjo anuncia aos pastores de Belém: alegria para o coração, alegria para o espírito, alegria para os olhos, alegria até mesmo  paganizada e deturpada de sua origem, mas alegria que testemunha um ponto de partida único, o nascimento do Salvador. O pobre estábulo de Belém engrandeceu-se a ponto de se tornar uma verdadeira arca de Noé, onde toda a criação encontra o seu lugar. As imagens foram multiplicadas para que pequenos e grandes, jovens e anciãos, ricos e pobres, santos e pecadores, humildes trabalhadores e homens de ciência, encontrem um lugar junto do Menino-Deus.
Malgrado o aspecto folclórico dos presépios, aspecto que arrisca de mascarar a importância do mistério de Belém, uma grande realidade é afirmada: todo mundo encontra o seu lugar ao lado de Maria e José, todos e cada um somos acolhidos por Maria e José. Ao abrir o seu coração para o Salvador, eles o abriram para toda a humanidade. Ao aceitar Maria como esposa, ao aceitá-la como mãe do Messias, mãe daquele que salva o mundo, José aceitou livre e alegremente que todo mundo entrasse dentro de sua casa.
O texto de São Mateus é interessante a esse respeito. No momento em que José pensa em retirar-se de uma aventura que o amedronta, o anjo vem assegurá-lo e indicar-lhe o que Deus quer dele. Ele devia aceitar Maria, sua esposa, e impor o nome de Jesus ao menino. O texto ajunta: “Ao acordar, José fez o que o anjo lhe havia ordenado e recebeu sua esposa” (Mt 1,24). Amiúde se traduz: “Recebe em tua casa tua esposa Maria ... Ele recebeu sua esposa em sua casa”.
Os dois sentido: Aceita Maria e recebe Maria em tua casa se complementam e são ilustrados pelo que se segue. São Mateus logo nos diz que tendo Jesus nascido em Belém, os magos chegaram do Oriente para o adorar. A casa de José está aberta aos estrangeiros, aos pagãos, a todos os povos. Essa casa não está fixa em nenhum lugar, pois o “Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20). Após a partida dos magos, o anjo apresenta-se novamente a José: “Toma o menino e sua mãe, e parte para o Egito”! José levanta-se, toma o menino e sua mãe, e vai para o Egito. José e Maria têm uma vocação universal; eles receberam Jesus em nome de todos, é preciso que todos o possam conhecer.
Como São Mateus, São Lucas põe em plena luz o papel de São José na ocasião do nascimento do Salvador. José e Maria se calam, eles agem. Não cabe a eles fazer com que o mundo saiba quem é que nasceu em Belém. O menino é assaz poderoso para proclamar ele mesmo sua mensagem. O céu fala por ele, a alegria reina em toda parte. Em todos os acontecimentos que compõem o Natal, o Evangelho não menciona nenhuma palavra de Maria ou de José. No entanto, são eles que tomam todas as iniciativas, uma vez que o menino deixa-se reclinar na manjedoura, apresentar no templo, e levar para o Egito.
São Lucas, que fizera apenas uma breve menção de José na ocasião da visita do anjo a Maria, no-lo apresenta tomando a iniciativa de partir para Belém e agindo como verdadeiro chefe de família. O evangelista menciona o decreto do imperador de Roma para um recenseamento universal, e acrescenta que cada um vá fazer-se recensear na sua aldeia. Em lugar de dizer que José dirigiu-se para Belém, Lucas faz uma apresentação solene para indicar a importância desse lugar. Uma formalidade de recenseamento é um acontecimento de mínima importância. No caso de José, muito pelo contrário, é a constatação oficial de que todas as profecias estão perfeitamente realizadas.
O texto diz: “Também José, subiu da Galiléia, da aldeia de Nazaré, até a Judéia, a aldeia de Davi, chamada Belém, porque ele era da casa e da família de Davi, para fazer-se recensear com Maria, sua noiva-esposa, que estava grávida” (Lc 2,4). Essa longa frase, com tantos incisos e explicações sobre as pessoas, as aldeias e as províncias, contrasta espantosamente com os versículos que se seguem e que relatam fatos maravilhosos com um laconismo desconcertante.
“Enquanto eles estavam lá, aconteceu que se completaram os dias para ela dar à luz. Ela pôs no mundo seu filho primogênito, envolveu-o em faixas, e reclinou-o num presépio porque não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2,6). Nada é dito sobre a viagem. Nada sobre os sentimentos de José e de Maria quanto à espera desse nascimento. Quem dirá a admiração silenciosa de Maria diante da luz invisível revestida de sua carne, mas que ela não conhece ainda? Quem dirá o silêncio afetuoso de José por aquela que Deus escolheu e lhe confiou? Para os dois é uma vida de pura fé, pois humanamente, nada lhes prova que é um filho aquele que vai nascer.
O ponto importante que São Lucas sublinha é a fé de José. Ele está plenamente consciente do gesto que cumpre e das conseqüências que sobrevirão, ao partir e fazer-se inscrever com Maria e o menino. Nem por um momento ele duvida que o menino seja mesmo o Messias prometido, e ele quer fazer a autoridade ocupante, que se pretende dona do mundo, constatar a sua existência. Diríamos, em termos modernos, que José quer dar um estado civil ao menino. O recenseamento não exigia a presença de Maria. Nem todos os judeus foram ao lugar de seus ancestrais para o censo. Nem todo mundo tinha interesse em fazer-se recensear, nem havia inconveniente em subtrair-se.
Para José, o recenseamento não foi um ato de sujeição à autoridade estrangeira, mas um meio de fazer conhecer seus direitos e seus títulos de filho de Davi. É precisamente nos tempos de tribulação que os documentos oficiais têm um grande valor de testemunho. De fato, nunca ninguém contestou a Jesus o direito de chamar-se filho de Davi. Não sabemos se a inscrição foi feita antes ou depois do nascimento do menino. A tradição não é unânime.
Nada se diz sobre a viagem de Nazaré a Belém. Devem tê-la feito em pequenas etapas para não fatigar Maria. Se dependesse dela, a fadiga importaria pouco, pois ela carregava aquele que sustenta o mundo. O pensamento de que seu filho iria nascer em Belém devia enchê-la de alegria e fazê-la esquecer todas as fadigas da viagem. Não está dito e nada o faz supor, mas parece que José não poderia ter deixado de arrumar uma montaria para aquela que ele amava. Pode-se objetar que no Oriente são os homens que montam os asnos, enquanto as mulheres correm atrás levando os pacotes. É verdade, mas isso não é absoluto. José tinha um ilustre predecessor, Moisés, de quem está escrito: “Ele tomou sua mulher e seus filhos e os fez montar no asno” (Ex 4,20).
É preciso não exagerar a inospitalidade do povo de Belém. Havia uma multidão no caravançará por causa do recenseamento e as pessoas não sabiam quem era essa criança a ponto de nascer. Foi ignorância, mais que rejeição. É certo que José fez todo o possível para encontrar o lugar que ele julgava o melhor para a mãe e o menino, porém, devemos lembrar que, definitivamente, foi o próprio menino a escolher o lugar e a hora do seu nascimento. Em lugar de traduzir: “Não havia lugar para eles”, seria melhor dizer: “Não era o lugar deles”. Os gostos de Deus não são os nossos.
O texto tão curto de São Lucas sobre o nascimento de Jesus é de uma grande riqueza teológica. Diz assim: “Maria pôs no mundo seu filho primogênito”. É um parto no pleno sentido do termo. Ele é seu, mais do que qualquer filho é de sua mãe. Literalmente, “ela pariu o filho de si, o primogênito”. O primogênito não é o mais velho em relação aos que vêm depois, mas “aquele antes do qual não existe ninguém”. Ele é o herdeiro do pai e também aquele que por direito pertence ao Senhor. Um filho único é sempre um primogênito.
Maria envolveu ela mesma a criança em faixas, e reclinou-a em uma manjedoura. A gente fica estupefato com a discrição de São Lucas. A palavra manjedoura é a única que nos permite adivinhar em que leito nasceu Jesus. Um presépio, ou manjedoura, supõe um estábulo. Nós preferiríamos que o “rei da glória” fosse recebido em um palácio digno dele. Mas os gostos não são os nossos. Ele preferiu faixas e uma manjedoura a todos os adornos que nós lhe poderíamos oferecer. Maria, mais resignada que nós aos desejos de seu filho, deu-lhe o que ele desejava.
São Bernardo explica: “As riquezas e a glória encontravam-se nos céus, ao seu alcance, com uma abundância inexaurível, mas ao contrário, faltava a pobreza. Agora, na terra, essa mercadoria abunda e superabunda, mas os homens ignoram o seu preço. Assim, o Filho de Deus, apaixonado por essa pobreza, desceu dos céus para apropriar-se dela, querendo nos fazer descobrir o preço por estimá-la. Orna tua casa, ó Sião, mas enfeita-a de humildade e de pobreza. Maria é testemunha disso para nós, é dentro dessas faixas que ele se compraz, é com essa seda que ele quer ser enfaixado” (Vig. Nat. 1,5).
No estábulo, não há luz, nem anjos a cantar, tudo é silêncio e recolhimento. Nada se diz sobre os beijos com que Maria e José houveram de cobrir o neonato. Se todas as mamães ficam embevecidas diante de suas crianças, a ponto de se dizer que elas as adoram, o que dizer de Maria! Naquela noite sem par, a palavra adorar não era uma hipérbole para Maria e José. A noite do primeiro Natal foi toda de intimidade e de fé. Houve comunicação, com certeza, mas mais ainda, silêncios carregados de amor e de reconhecimento.
Enquanto José e Maria extasiavam-se diante da criança, os textos das Escrituras cantavam dentro de seus corações: “Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; o império está sobre os seus ombros; e seu nome é: conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai para sempre, príncipe da paz” (Is 9,5). E ainda: “Tu és belo, a mais bela criança humana, nos teus lábios repousa a graça; sim, tu és o bendito do Senhor para sempre” (Sl 44,2). E as horas passam, deliciosas!
Agora Belém dormia, mas o céu estava em festa. Pelos campos, pastores vigiam os seus rebanhos. O anjo do Senhor se mostra e os envolve em uma luz gloriosa. Eles ficam amedrontados, mas o anjo os tranqüiliza: “Não tenhais medo! É uma grande alegria que venho anunciar a vocês e a todo o povo. Hoje, um Salvador nasceu para vocês na cidade de Davi, é o Cristo Senhor” (Lc 2,10). E assim, a alegria anunciada explode no céu. Um numeroso exército de espíritos celestiais junta-se ao anjo e canta: “Glória a Deus nos céus, paz na terra, benevolência para os homens!”
Quando os anjos voltaram para os céus, quando a bonita luz se dissipou, os pastores discutiram entre si e decidiram ir confirmar por eles mesmos aquilo que o Senhor lhes havia feito conhecer. O texto diz: “Eles partiram às pressas e encontraram Maria e José e o recém-nascido deitado em uma manjedoura”. Literalmente: “Eles descobriram Maria e José e o recém-nascido”. É verdadeiramente uma descoberta diferente para cada um. Maria é nomeada por primeiro: sem dúvidas foi ela a primeira a distinguir o rumor de passos, ou de vozes, e a dirigir-se ao encontro dos pastores. José os acolheu e, com Maria, levou-os até a criança.
Maria e José não tiveram que dar explicações, pois os pastores já tinham sido instruídos diretamente pelos anjos. Eles ouviam edificados os pastores contarem a sua alegria por constatar que tudo era conforme ao que lhes havia sido dito dessa criança. Os pastores foram os mensageiros da boa nova e contavam ao povo de Belém tudo o que eles tinham visto e entendido. “Todo mundo ficava maravilhado”, diz São Lucas, e podemos ter certeza de que os primeiros a ficar maravilhados foram Maria e José.