O SANTO DE TODOS (São José Era Assim... Capítulo XVIII)


O   SANTO   DE   TODOS


Depois do reencontro no templo, José não é mais mencionado nos Evangelhos, a não ser em função das origens de Jesus. É sobretudo São Lucas que, após haver dito que o menino “crescia em sabedoria e em estatura”, fala do ministério de João Batista às margens do Jordão, e de seu encarceramento por Herodes. Mostra-nos Jesus, batizado também ele, em oração, enquanto o céu se abre, o Espírito desce sobre ele como uma pomba, e uma voz proclama: “Você é o meu Filho bem-amado” (Lc 3,22). Em seguida acrescenta: “Jesus, no momento de iniciar (seu ministério), tinha cerca de trinta anos. Ele era filho, como se acreditava, de José, filho de Heli... segue uma genealogia ascendente que remonta não somente a Davi e a Abraão, mas até Adão e até Deus.
Para explicar as numerosas diferenças que aparecem entre essa genealogia e aquela dada por São Mateus, alguns pensaram que São Lucas teria apresentado a genealogia de Cristo através da santa Virgem. Eles traduzem: “Acreditava-se que ele era filho de José, mas na realidade, por Maria, filho de Heli”, etc. Heli seria um segundo nome de Joaquim. Essa hipótese engenhosa não procede, pois entre os judeus as genealogias seguem somente a linha masculina. Os costumes judeus de filiação adotiva e de paternidade legal são suficientes para explicar as variações de filiação. Uma viúva sem filhos deveria casar-se com o parente mais próximo de seu marido. Os filhos nascidos dessa segunda união, levariam o nome do primeiro marido e seriam seus herdeiros.
No Evangelho de São João, o nome de José aparece duas vezes, e cada uma dessas duas circunstâncias deixa entrever que José era conhecido muito longe de Nazaré. Na estréia de sua vida pública, Jesus chama seus primeiros discípulos. Primeiro André, em seguida João, que não é nomeado, depois Pedro, e enfim Felipe. Este, feliz de ter encontrado Jesus, diz a Natanael: “Aquele de quem está escrito na Lei de Moisés e nos profetas, nós o encontramos: é Jesus, o filho de José, aquele de Nazaré” (Jo 1,45). Ora, Felipe era de Betsaida, do outro lado do Lago, bem ao norte, e portanto muito longe de Nazaré.
A segunda menção é muito interessante. A multidão que havia seguido Jesus sobre a montanha, do outro lado do Lago de Tiberíades, e tinha-se saciado de pão e de peixe, percebeu sua partida e pusera-se procurá-lo. Jesus, de volta a Cafarnaum, acolhe a multidão e tenta ajudá-los a deixar o alimento terrestre para aspirar ao verdadeiro pão da vida. Quando ele fala do “pão de Deus que desce do céu”, os judeus respondem: “Dê-nos sempre desse pão”. Então Jesus esclarece: “Eu sou o pão da vida”. De repente,  o entusiasmo da multidão tomba; há murmurações: “Não é ele aquele Jesus, filho de José? Nós não conhecemos seu pai e sua mãe? Como ele pode dizer: eu desci do céu?” (Jo 6,42). Assim, essa gente vinda de tão longe, conhecia José e também Maria. 
Em São Mateus e em São Marcos, a menção de São José durante a vida pública de Jesus levanta problemas exegéticos. Jesus ensina na sinagoga de Nazaré; seus compatriotas admiram-se de sua sabedoria e de seus milagres, depois ficam chocados. Donde as suas reflexões desabusadas: “Não é aquele o filho do carpinteiro? Não se chama a sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não se encontram em nosso meio? Então, de onde lhe vem tudo isso?” (Mt 13,55). E em seguida mais resumido: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?” (Mc 6,3).
São Marcos, para designar Jesus não disse ‘o filho do carpinteiro’, mas ‘o carpinteiro’. Conclui-se que Jesus trabalhava com São José na mesma profissão e que foi seu sucessor. Infere-se que José não estava mais neste mundo no momento da vida pública de Jesus. Ademais, o fato de ter o próprio Jesus abandonado o ateliê, privando assim os habitantes de Nazaré dos serviços que lhes prestava, foi sem dúvidas por alguma animosidade de seus compatriotas.
O ponto mais importante é a menção dos irmãos e irmãs de Jesus. Quatro irmãos são enumerados, aos quais ajunta-se um certo número de irmãs. São Marco diz ‘suas irmãs’, São Mateus ‘todas as suas irmãs’. Trata-se, certamente de irmãos e irmãs em sentido amplo, isto é, de primos e primas, de sobrinhos e sobrinhas. Na Bíblia há o costume de designar assim os parentes próximos. Não havia uma palavra para designar unicamente os irmãos em sentido estrito, isto é, filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Assim, Abraão diz a Lot, que era seu sobrinho: “Nós somos irmãos” (Gn 13,8).
Alguns Padres do Oriente, seguindo os apócrifos, aceitaram a hipótese de um primeiro matrimônio de José. Assim os irmãos do Senhor seriam meio-irmãos. Essa solução, que parece resolver tudo, só faz aumentar os problemas. Se José teve filhos de um primeiro casamento, o que seria completamente legítimo, esses filhos é que seriam, de direito, seus herdeiros privilegiados. O primeiro filho seria o verdadeiro herdeiro de Davi, de preferência ao Cristo. Nesse caso, a descendência davídica do Messias cairia pela base.
Alguns adversários da Igreja quiseram ver nos irmãos e irmãs do Senhor a prova que José e Maria haviam tido filhos depois do nascimento de Jesus. São Jerônimo, particularmente versado no estudo da Sagrada Escritura, reagiu vigorosamente contra uma tal suposição. No seu tratado contra Helvídius, ele escreve: “Que dizes? Que Maria não permaneceu virgem? Eh, bem! Eu afirmo mais do que tu negas. Eu afirmo que não somente Maria permaneceu sempre virgem, mas que José, também ele, ficou virgem, a fim de que, de um casamento virginal nascesse um filho virgem... ficou virgem com a Virgem, aquele que mereceu ser chamado pai do Senhor” (Ad. Hel. 19). Ele demonstra assim, que o problema dos irmãos e das irmãs resolve-se facilmente sem o recurso à hipótese de um primeiro casamento de São José.
Para pôr em dúvidas a virgindade de Maria e de São José aponta-se um versículo de São Mateus: “Ele não teve relações com ela, até que ela deu à luz um filho” (Mt 1,25). Isso estaria a supor que eles poderiam ter tido mais tarde. Um tal argumento não prova nada, pois a palavra que nós traduzimos por ‘até que’ não tem o sentido que nós lhe damos em português, de data limite, mas é um estado que perdura. Os Padres nos dizem que é suficiente ler os passos paralelos. Assim, diz-se que Mikal, mulher de Davi, “não teve filhos até que morreu” (2Sam 6,23). Poder-se-ia concluir que os teve depois? Jesus nos diz que ele “estará conosco até o fim do mundo” (Mt 28,20). Quer dizer que depois não estará mais?
Os motivos da castidade de Maria e José são-nos claramente indicadas desde os primeiros séculos da Igreja pelos Padres tanto do Oriente como do Ocidente. Orígenes escreve: “O corpo de Maria, escolhido para pôr no mundo o Verbo, segundo estas palavras: o Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com sua sombra, não tinha mais que conhecer contatos humanos depois que o Espírito Santo desceu sobre ela e que a virtude do Altíssimo a cobriu com sua sombra” (In Mat. 10,17).
   Santo Epifânio diz o mesmo: “José e Maria eram ambos perfeitamente justos. Quando José compreendeu que a criança concebida em Maria era do Espírito Santo, ele não pôde atrever-se, após uma símile intervenção de Deus, ter comércio carnal com aquela que havia merecido carregar aquele que o céu e a terra não podem conter em sua glória” (Haer. 3,78,8). Assim, é o próprio Jesus a razão primeira da castidade de Maria e de José. A ajunta: “Se é em Jesus, ainda nos nossos dias, que as virgens encontram a força de perseverar e de conservar-se puras, com quanto mais razão não devemos nós atribuir essa fidelidade a José e a Maria?” (Ib.).
Do ponto de vista simplesmente humano, é evidente que a castidade de José e de Maria traz problemas. Por outro lado, se não soubéssemos que o menino que eles criaram deu provas irrefutáveis de sua transcendência e de sua origem divina, poderíamos colocar em dúvidas a perfeita castidade deles. Como perceberam os Padres da Igreja, é o menino a causa e a explicação daquela maternidade e daquela paternidade de um gênero único. É o Verbo encarnado a razão de ser, e o sustento da castidade não somente de Maria e de José, mas ainda de todos aqueles e aquelas que se consagram ao serviço do Senhor. O mesmo se diga da castidade conjugal. O matrimônio cristão não é uma bela cerimônia que passa, mas é um sacramento, isto é, um sinal da presença santificante de Jesus Cristo. Matrimônio e virgindade estão orientados rumo ao grande mistério do Filho de Deus que veio desposar a nossa natureza humana no seio da Virgem Maria.
Este mistério da íntima união da natureza divina e da natureza humana no Cristo não é a penhora de Deus sobre a nossa humanidade, uma espécie de conquista, é sim um verdadeiro matrimônio. Para que um casamento seja válido e enriquecedor, é indispensável que tenha um consentimento livre e consciente de uma e de outra parte. Deus é sempre livre, ele não é condicionado por ninguém. É ele que toma a iniciativa de mandar o anjo Gabriel até a Virgem Maria. Nossa humanidade está presente na pessoa de Maria que aceita aquilo que a liturgia do Natal chama de “troca admirável”. Ela assume a responsabilidade daquele grande evento, em nome de todo o gênero humano. Como Maria já está ligada a José, ela o engaja em sua aventura. Maria pertence a José, como José pertence a Maria, e Jesus pertence tanto a um como a outro.
Por vezes, chama-se a sagrada família de “a trindade terrena”. A expressão é correta, desde que bem compreendida. Não é uma trindade de substituição, nem uma segunda trindade, mas o sinal visível da Trindade invisível. Pode-se e deve-se dizer o mesmo de todas as famílias cristãs, guardadas as devidas proporções. Na Trindade celeste, está o Espírito Santo que é o elo de amor entre o Pai e o Filho; é ele que intervém na Virgem Maria para a encarnação do Filho de Deus. Maria torna-se a “esposa do Espírito Santo”, e José é como a sombra do Pai.
De José, terceira pessoa da trindade de Nazaré, é preciso remontar à primeira pessoa da Trindade incriada, o Pai, a mais misteriosa das três pessoas. É no silêncio de São José que nós tocamos novamente o silêncio eterno do Pai. Nas relações insondáveis de José com o Pai celeste, nós somos completamente imersos no mistério de José. É no Pai que precisamos encará-lo e acolhê-lo em sua missão de Pai-substituto do “Pai de quem deriva toda paternidade no céu e sobre a terra” (Ef 3,15).
Esta relação com o Pai dos céus é uma fonte de força e de alegria para os pais e as mães de família cristãos. Eles têm uma ligação toda especial com Maria e com José. Ao querer a encarnação, Deus quis Maria e José, ele quis que seu Filho fosse o santificador do matrimônio. É excitante e espantoso pensar que Deus nos quis e amou desde toda a eternidade. São Paulo dirá aos cristãos de Éfeso: “Deus não nos escolheu em Cristo desde antes da criação do mundo? ... Não nos predestinou, por amor, a tornarmo-nos seus filhos adotivos por Jesus Cristo?” (Ef 1,4-5).
José foi escolhido para ser o esposo ideal, logo, harmonizado àquela que é a esposa do Espírito Santo. Ele realizou desde então tudo aquilo que comporta um perfeito e ideal casamento, por ser o esposo da Imaculada. A encarnação é revelação do tríplice amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo em Jesus, em Maria e em José.