ATRAVÉS DOS SÉCULOS (São José Era Assim... Capítulo XXI)


ATRAVÉS   DOS   SÉCULOS


A razão profunda da eminente santidade de José e de sua preeminência sobre todos os outros santos, depois da Virgem Maria, encontra-se em suas relações estreitas com o Cristo Jesus. Os profetas anunciaram o Messias, mas não o viram, nem ouviram. Os apóstolos e os outros santos estão orientados para o serviço da Igreja, corpo místico de Cristo. Os mártires de todos os tempos deram testemunho de sua vinda. José e Maria estão ordenados ao serviço da pessoa mesma do Cristo, cada um de maneira diferente, mas complementar. A grandeza de sua existência não vem de coisas grandiosas que eles mesmos tenham feito, mas das grandes coisas que Deus realizou através deles. Nossa Senhora disse isso no seu Magnificat: “O Onipotente fez por mim grandes coisas!” (Lc 1,49). Isso vale também para José.
Desde o início, os Padres da Igreja compreenderam o lugar todo especial de São José. É através dele que o Cristo realiza todas as promessas feitas a Abraão e a Davi. Ao deixar José na sombra, ou ao negligenciar sua presença, solapa-se pela base os fundamentos escriturísticos da nova Aliança. É sempre em relação com o Evangelho, isto é, com o mistério do Verbo encarnado, que os Padres encararam o papel de São José.
Sob a influência dos apócrifos, os Padres gregos assaz facilmente aceitaram a hipótese de um primeiro casamento de São José, como explicação para a presença dos irmãos e irmãs do Salvador. Também por isso, eles admitem uma idade relativamente avançada para São José. Em contrapartida, eles são unânimes em admitir a virgindade perpétua de Maria e, em conseqüência, a perfeita castidade de José durante seu casamento com a Virgem. O título de a Sempre Virgem, assinala uma das grandes prerrogativas de Maria, como a Toda Santa. Nos ícones, Maria vem sempre marcada com três estrelas, uma na testa e uma em cada ombro. É o sinal da presença santificadora da Trindade que preservou a virgindade de Maria antes, durante e depois do parto. Conseqüentemente, é a afirmação da perfeita castidade de São José.
Os Padres latinos, no seu conjunto, rejeitam a idéia de um primeiro casamento de São José. Tal hipótese parecia-lhes inútil para explicar a presença dos irmãos e irmãs do Salvador. Máximo de Turim fala de São José como de um homem jovem, iuvenis. É verdade que este termo, iuvenis, aplica-se a pessoas tanto de trinta e cinco, como de vinte anos. Em geral, os Padres não se ocupam da idade de José e de Maria, é o mistério do Verbo encarnado que rouba toda sua atenção. São Jerônimo parte em guerra contra os apócrifos para demonstrar que suas lendas não têm nenhum fundamento histórico e são amiúde carentes de bom senso. Por que, por exemplo, inventar a presença de uma parteira na noite de Natal, quando o Evangelho precisa que Maria enrolou ela mesma a criança antes de recliná-la na manjedoura?
A questão da angústia de São José retém longamente a atenção dos Padres. Eles vêem aí uma dupla vantagem para nós. Primeiramente, uma grande lição de prudência. José, diante de um acontecimento que o ultrapassa, não julga, não condena, mas espera a luz e age de maneira a não prejudicar ninguém. Seja por ter uma suspeita verdadeira, seja por pressentir o mistério ou conhecê-lo já, ele não agiu com leviandade, nem proferiu julgamento. Em segundo lugar, a presença de José é uma garantia para nós. Não se pode encontrar testemunha melhor da castidade de Maria e de seu parto. Assim, o testemunho de José dado por São Mateus, acrescenta-se ao da Virgem Maria transmitido por São Lucas.
E tem mais. Os Padres afirmam uma verdadeira ação do Espírito Santo em São José, conjuntamente àquela operada em Maria para a encarnação. Santo Agostinho escreve: “Aquilo que o Espírito Santo fez, fê-lo para os dois. Justo é o homem, justa a mulher. O Espírito Santo, repousando sobre a justiça dos dois, deu um filho a todos os dois” (Serm. 51,c.20). Uma antífona da liturgia copta diz: “Ó Maria! Tu és o tesouro adquirido por José, dentro do qual se acha escondida uma pérola preciosa”. Um hino canta: “ Tu, pai do Cristo e esposo da Virgem, a ti paz e alegria pelos séculos dos séculos. Rogai ao Senhor por nós, ó nosso pai santo e justo”. E ainda: “Bênçãos a ti, cujas orações são incessantes e cuja intercessão é aceita por Deus”. São José foi festejado no Oriente, especialmente no Egito, muito tempo antes de sê-lo no Ocidente.
A Igreja copta, no Egito, sofreu muito com a dominação muçulmana, como todas as Igrejas do Oriente. Apesar de tudo, ela resta heroicamente viva. O Oriente, que engrandeceu São José desde cedo, não parece ter mantido seu ritmo. O Ocidente, em vez, após as grandes invasões bárbaras, concentrou vantajosamente suas reflexões sobre o esposo de Maria. A partir de então, houve um desenvolvimento progressivo e ininterrupto de seu culto. As invasões, derrubando o império romano, pareciam ter aniquilado a Igreja. Na realidade, não foi nada disso, pois a Igreja é divina. Sua doutrina teológica da encarnação conservou-se e desenvolveu-se admiravelmente. Efetivamente, a bela figura de São José não cessou de ser posta em luz.
Temos um testemunho digno de escolha na pessoa de Beda, o venerável, que viveu na Inglaterra, durante o século VII. Trata-se de um erudito, um exegeta, um historiador, um doutor da Igreja. Nutriu-se abundantemente dos Padres, e transmitiu-nos sua doutrina sobre São José, dando-lhe um toque pessoalíssimo, como mais tarde fará São Bernardo. Para ele, São José é um “acréscimo de graças”. Sua presença traz muito para Maria e para Jesus.
Beda nos diz que o Filho de Deus, em acordo com o Pai e o Espírito Santo, escolheu ele mesmo seus pais, o lugar e o tempo de seu nascimento. No templo, uma lição de verdade e humildade: “Seus pais não podiam compreender o mistério de sua majestade divina, ele mostrou-lhes uma submissão humana, para elevá-los gradualmente ao conhecimento de sua divindade”. Jesus desceu ao nível deles, para elevá-los ao seu.
Da família de Nazaré, Beda passa muito naturalmente à Igreja. Ele explica que o casamento de Maria e de José é o símbolo da união de Cristo e da Igreja. Como Maria, a Igreja é imaculada, ela nos concebe do Espírito Santo. Ela está visivelmente unida ao pontífice que lhe está à frente; a cada dia ela refaz a viagem realizada por José e Maria. Discretamente,  é inculcada a idéia de uma certa presença de São José dentro da Igreja, na pessoa do Papa; delineia-se a idéia de um padroeiro universal.
No século IX, na Alemanha, Raban-Maur é uma outra testemunha de escol para a teologia de São José. Ele também é um discípulo fiel, ao mesmo tempo que muito pessoal, dos Padres. Ele mostra São José como a antítese de Satan, o sedutor. Ele explica que no início, eram em quatro para a perdição do mundo: a mulher, o homem, a árvore e a serpente. Da mesma forma, para a redenção são em quatro também: Maria, o Cristo, a cruz e José.  
Raban-Maur tem uma bela frase sobre São José e a Igreja: “José esposo, que foi o guardião da virgindade de Maria, significa o Cristo esposo da Igreja cuja virgindade na fé é mantida por ele até o fim”. Como outros autores ocidentais, ele traduz a palavra faber aplicada ao Cristo e a São José, não por carpinteiro, mas por ferreiro. Ele baseia-se na palavra de João Batista: “É ele que vos batizará com o fogo e o Espírito Santo” (Mt 3,11). José é também o modelo do Pai celeste que constrói o mundo com o fogo e o Espírito.
Raban-Maur não é uma voz isolada. Encontram-se outros autores da mesma época que falaram de São José, especialmente em suas homilias. Precisamos citar em particular Smaragde, abade de Saint-Mihiel, diocese de Verdun. Ele insiste sobre a fé de José, que lhe dá uma grande confiança em Deus. E pergunta-se: “Por que Deus dirigiu-se a José em sonhos e não quando acordado?” Responde: “Porque José era um homem de grande fé e não precisava de uma revelação mais evidente da vontade de Deus” (PL 102,20).
O grande nome que domina o século XII, a respeito de São José é Bernardo de Claraval. Diz Bossuet que São Bernardo é o último dos Padres da Igreja, e que ele resume todos. Isso é particularmente exato naquilo que concerne a doutrina a respeito de São José. Ele soube condensar o que os seus predecessores tinham de melhor e exprimi-lo em fórmulas personalíssimas. Não compôs tratados didáticos, mas transmitiu os frutos de suas meditações sobre o Evangelho, na companhia dos Padres. Como Beda, ele encontra uma relação particular entre São José e o Papa. Cristo vive em sua Igreja; é ele que é perseguido quando se ataca a Igreja. O rei da França tinha saqueado as terras do Arcebispo de Sens, São Bernardo escreve ao papa e pede-lhe para intervir: “Que São José, aquele homem justo, sonhe com aquilo que ele deve fazer na hora atual pelo menino e pela mãe, pois neste momento, na província de Sens, estão procurando o Cristo para fazê-lo perecer.” (L.50).
São Bernardo domina seu século. Seus escritos exerceram grande influência sobre a espiritualidade dos séculos seguintes. Meditando mais profundamente o mistério do Verbo encarnado, segundo os textos do Evangelho, os autores, quer sejam teólogos ou místicos, descobrem melhor o lugar que Deus reservou a Maria e a José. É sobretudo no século XIII que o culto de São José desenvolve-se seriamente. Estando a doutrina solidamente estabelecida, pôde-se dar livre curso à piedade, pessoal ou comunitária, para com Cristo, a Virgem e São José.
O múnus de intercessão de Maria, foi bem depressa discernido e utilizado pelos Padres e as mais antigas liturgias. Prova-o o Sub tuum cujo texto primitivo remonta ao segundo século. Busca-se refúgio no coração da Virgem e roga-se que “nos livre de todo perigo”. Para São José, o seu papel mais discreto levou mais tempo para ser discernido e utilizado. Seu nome começa a aparecer nos martirológios do século X. No século XII, um abade irlandês dá-lhe este título: “José, uma torre contra as agitações, o querido nutridor do Cristo”. Em Autriche, a poetiza Ava fala de São José com grande estima. Ela é apaixonada pela sua pureza e pela sua fidelidade.
No século XIII, tudo se desenvolve. Os beneditinos de Saint-Laurent de Liège têm um ofício completo, com notação, para São José. A festa do santo começa a ser celebrada nas igrejas particulares, especialmente de carmelitas e franciscanos. São Boaventura fará muito pela difusão do culto a São José. O bem-aventurado Hermann-Joseph, da ordem dos premonstratenses, trabalha para que a festa de São José seja adotada na Igreja universal. Para isso, ele compôs um ofício completo. Santa Margarida de Cortona recita cem Pater em louvor a São José como nutridor do Salvador, e outros cem pela obediência que Jesus lhe devotou.
Uma das principais objeções colocadas para se recusar o estabelecimento de uma festa em honra a São José era a ignorância do dia de sua morte. A data do mês de julho, utilizada pelo egípcios, não foi conservada no Ocidente. Preferiu-se o mês de março, mais em harmonia com a Anunciação. O dia 19 de março foi escolhido, parece, por confusão com um outro personagem de mesmo nome, mártir na Síria. De fato, aquilo que celebramos a 19 de março, é menos a morte de São José do que sua vida na Igreja como modelo e intercessor.