NÓS VIMOS A SUA ESTRELA (São José Era Assim... Capítulo X)


NÓS  VIMOS  A  SUA  ESTRELA

 
Depois de ter falado da acolhida entusiasta de Simeão e Ana, São Lucas acrescenta: “Quando eles tinham cumprido tudo o que prescrevia a Lei do Senhor, eles voltaram para a Galiléia, para sua cidade de Nazaré” (Lc 2,39). Isso significa que José e Maria submeteram-se alegremente a todas as observâncias da Lei que lhes diziam respeito. Participaram, sem dúvidas, de alguma oração litúrgica.  Para oferecer os pombos, não era necessário levá-los. Podia-se encontrá-los facilmente na esplanada do templo. Os mercadores haviam até mesmo invadido o adro, por isso Jesus, mais tarde, vai expulsá-los. Pombos e rolas eram criados aos milhares no vale do Cedron. Para resgatar o menino, José versa os cinco ciclos de prata. Isso representava para ele o salário de três semanas de trabalho.
São Lucas não faz nenhuma alusão à visita dos magos. A tomar o seu texto ao pé da letra, faz supor que Maria e José tenham partido diretamente de Jerusalém para Nazaré sem voltar para Belém, o que é inverossímil. Dentro de um resumo histórico, São Lucas situa a existência da sagrada família, durante os primeiros doze anos de Jesus, entre duas viagens ao templo de Jerusalém. O intervalo é resumido por essas palavras: “O menino crescia e fortificava-se, enchia-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40). É preciso pôr em relevo essas duas viagens ao templo, omitindo tudo o mais. No lapso de trinta anos que separa o Natal da vida pública São Lucas fala somente de dois acontecimentos atinentes a Jesus: sua apresentação no templo por seus pais, e sua viagem pessoal ao templo na idade de doze anos.
Podemos nos perguntar se São Lucas chegou a conhecer o episódio dos magos e o massacre dos inocentes. Essa questão interessa aos exegetas, que a resolvem de várias maneiras. É provável que tenha conhecido esses acontecimentos, mas julgou inútil relatá-los. Ele, mais do que outros, pudera conhecer o relato de São Mateus e não julgava útil reproduzi-lo, uma vez que não havia nada de especial a acrescentar. Negar a visita dos magos porque Lucas não fala dela, e pôr em dúvida o anúncio aos pastores e o canto dos anjos no Natal por causa do silêncio de Mateus, não faz senão aumentarem as dificuldades.
A festa da Epifania encontra-se entre o Natal e a apresentação de Jesus no templo, quarenta dias após o nascimento. Isso não está a indicar que os magos chegaram a Belém somente alguns dias depois do nascimento de Jesus e antes de sua apresentação no templo. Para os evangelistas, os fatos são mais importantes do que sua cronologia. E assim é para a liturgia. É moralmente certo que a viagem de José e Maria para Jerusalém precedeu a chegada dos magos, pois essa visita dos magos havia posto Jerusalém em comoção e inflamado o ciúme de Herodes. Teria sido imprudente para José e Maria aventurar-se em Jerusalém.
É normal situar a chegada dos magos algumas semanas ou alguns meses, após a apresentação de Jesus no templo. Pode-se mesmo notar no relato de São Lucas uma discreta alusão à chegada dos magos e à fuga para o Egito. Simeão fala da salvação que Deus preparou para todos os povos, e da luz que deve iluminar os pagãos. Então ele se volta para Maria, e anuncia-lhe que esse menino será um sinal de contradição e que seu coração de mãe será traspassado por um gládio.
Não é somente no calvário que Jesus foi alvo de contradição e que o coração de sua mãe foi pisado, mas em toda a sua vida. A profecia de Simeão não esperou trinta anos para se realizar. O Cristo sofreu oposição desde o seu nascimento, e é desde o nascimento de seu filho que o coração da Virgem sangrou constantemente essa oposição. É legítimo ver na chegada dos magos e nos incidentes que vieram em conseqüência, a primeira realização das palavras de Simeão. Ele havia anunciado que o menino seria uma luz para os pagãos e um sinal de contradição. A cólera de Herodes, a fuga para o Egito e o massacre dos inocentes em Belém foram grandes dores para a Virgem.
Num dia em que estava com seu bebê nos joelhos ou nos braços, Maria viu estrangeiros chegando. Essa gente parecia fatigada por uma longa viagem, mas os seus rostos estavam radiantes de felicidade. Os recém-chegados só tinham olhos para o menino. Apenas entrando, eles se prosternaram no chão, em uma atitude de profunda veneração. Depois, erguendo-se, ofereceram presentes ao menino: ouro, incenso e mirra.
Essa cena fez as delícias dos artistas de todos os tempos. Nada tira, aliás, a simplicidade do texto evangélico: “Entrando na casa, eles encontram o menino com Maria, sua mãe, e prostrados o adoram. Depois, abrindo seus tesouros, eles lhe oferecem presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). Nós não sabemos quem eram esses magos, nem de onde vieram; ignoramos seus nomes e sua classe social. A lenda e a imaginação supriram o silêncio do Evangelho.
O fato importante, que a multiplicidade de detalhes arrisca de fazer esquecer, é a chegada em Belém de um grupo de pagãos à procura do Cristo. Eles puseram-se a caminho seguindo indícios misteriosos mas pouco precisos e depois de laboriosas pesquisas, descobriram aquele que desejavam encontrar. Aqueles magos, por pouco conhecidos que sejam, são os representantes de todos os povos pagãos. Sua chegada a Jerusalém põe a cidade em comoção, não pela importância de seu nome, ou sua maneira de vestir, mas pela pergunta que eles fazem a todos os que encontram: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer”? (Mt 2,2). E para convencer as pessoas que parecem surpresas, eles acrescentam: “Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
Herodes não demorou a saber da chegada dos magos, através de sua polícia secreta, sempre ativa. Isso o deixou perturbado, sem dúvidas, menos pelo anúncio do nascimento de um rei, do que pelo fato de esse nascimento ser anunciado por uma estrela. Herodes era extremamente supersticioso e o povo de Jerusalém, nem um pouco menos. Aquele astro pode ter sido um cometa e todo cometa era para os antigos um presságio de infelicidade.
Os magos devem ter ficado admirados de não receber resposta precisa à sua pergunta: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?” e ao mesmo tempo de constatar que sua pergunta perturbava as pessoas. Eles não podiam imaginar as incidências políticas que tinha o nascimento de um rei no contexto em que se encontrava então a Judéia. Herodes, cognominado “o Grande” em razão da magnificência que ele tinha mostrado com a restauração do templo de Jerusalém, era então um déspota sanguinário. Suspeitava de rivais por toda parte e fazia-os desaparecer por todos os meios. Inveja, astúcia, patifaria e crueldade em sua casa alcançavam o paroxismo. A vida humana contava muito pouco. Ele havia mandado degolar sua mulher Mariana, que antes ele tinha amado apaixonadamente, dois de seus filhos e outros membros da sua família.
Herodes, ao ser-lhe anunciado o nascimento de um rei dos judeus, imediatamente pensa no Messias. Sem crer sinceramente nesse Messias anunciado pelos profetas, ele o teme e por isso toma suas precauções. Consulta os exegetas da época, padres e escribas, para saber onde o Cristo devia nascer. A resposta é clara: em Belém. Então Herodes convoca os magos em segredo e informa-se com atenção de tudo o que eles viram. Ele finge interessar-se pela criança e pede aos magos para que voltem e lhe prestem contas a fim de que também ele vá render homenagens a esse novo rei.
A atitude de Herodes mostra que  os magos não eram personagens muito importantes do ponto de vista político, senão, ele os teria recebido ostensivamente e mesmo com fausto a fim de ganhá-los para sua causa. Tê-los-ia feito acompanhar por alguns oficiais, que se teriam encarregado de fazer a criança desaparecer. Herodes cairia no ridículo em caso de erro, por isso prefere ficar nas sombras e servir-se de seus hóspedes como espiões.
A atitude maliciosa de Herodes não podia escapar aos magos que, pelo que se sente no relato de São Mateus, deviam estar embaraçados ao deixar Jerusalém. Por outro lado, qual não foi seu entusiasmo quando a estrela brilhou novamente diante dos olhos deles! Aquela estrela que eles tinham visto no Oriente, agora os precedia na rota de Belém. Ao verem a estrela, sua alegria foi inexprimível. O texto é intraduzível: “eles foram cumulados sem medida, por uma alegria imensa”. E é nessa alegria sem limites que “eles entraram na casa e encontraram o menino com Maria, sua mãe”.
Não se fala na presença de José quando os magos chegaram. Isso não quer dizer que ele estivesse necessariamente ausente. O texto sublinha simplesmente que o interesse dos visitantes é pelo menino, e que é por ele que eles fizeram uma viagem tão longa. A presença da mãe indica que o menino é realmente da raça humana, se bem que de uma natureza maravilhosa. Só o Cristo merece que alguém abandone tudo para se pôr à sua procura, seguindo a estrela. Todos aqueles que procuram verdadeiramente o Cristo, estão certos de descobri-lo cedo ou tarde nos braços de Maria, mesmo se o caminho parece longo e as asperezas desconcertantes.
Mesmo se ele não estava presente no primeiro instante da chegada dos magos, José não deve ter demorado a chegar e tomar parte na alegria comum. Não é preciso imaginar os magos entrando depressa na casa, ajoelhando-se, erguendo-se para oferecerem seus presentes e indo logo embora. Os orientais nunca são apressados.
São Mateus nos diz que os magos entraram na casa. Devemos concluir que Maria e José não estavam mais na gruta onde Jesus tinha nascido. Aquela gruta, situada nos arredores da cidade, não foi mais do que uma parada de emergência, querida pela providência para fazer transbordar a alegria do Natal.
A atitude dos magos mostra que eles estavam guiados por uma luz interior mais ainda do que pela estrela. Qual a natureza daquela estrela? Ninguém poderá dizer. Aliás, pouco importa que tenha sido um astro real, ou uma conjunção de astros, um meteoro, ou ainda uma visão interior. Deus pode servir-se de qualquer coisa para transmitir seus convites. Ele utiliza como quer leis naturais que nós não conhecemos.
A natureza dos presentes encerra um simbolismo que permite conhecer os sentimentos dos magos. Eles oferecem ouro, incenso e mirra. Se tivessem trazido somente ouro, alguém poderia ver na oferta deles apenas um gesto de auxílio e de oportunidade. O incenso e a mirra obrigam a buscar um significado mais elevado, pois não se vê que utilidade poderiam ter em um lar comum. Se a intenção dos magos fosse ajudar uma família pobre, não teriam dado ouro, mas moedas miúdas. Os Padres da Igreja sempre viram nesses presentes uma ação simbólica pela qual os magos reconheceram Jesus como rei, Deus e homem, graças a uma luz sobrenatural.
Uma palavra do texto é digna de nota. Não está escrito: eles ofereceram, mas: eles lhe ofereceram. É ao menino que eles oferecem, é o menino que recebe. É o menino a causa da alegria deles, é a ele que eles querem agradecer com os presentes. O fato de os presentes serem oferecidos ao menino, parece sugerir que Jesus não era mais o recém-nascido deitado em uma manjedoura, mas já uma criança esperta que sorri para as visitas e estende a mão para pegar o que lhe mostram. Se grande foi a alegria dos magos, com certeza a de Maria e José foi maior ainda.