JOSÉ ESPOSO DE MARIA (São José Era Assim... Capítulo II)


JOSÉ   ESPOSO   DE   MARIA


 Um orador, devendo fazer o panegírico de Filipe, rei da Macedônia, começa com estas palavras: “Filipe?... é o pai de Alexandre!” E toda a assembléia levanta-se para aplaudir. De fato, quase nada se sabe desse pequeno monarca, mas o seu nome entrou para a história por causa de seu filho Alexandre Magno.
O mesmo acontece com São José. Sua glória não provém de seus descendentes, nem de suas atividades, nem de suas relações, nem mesmo de suas virtudes, mas sim de seu título: esposo de Maria, da qual nasceu Jesus. À pergunta: “Quem é José?”, deve-se responder: “o esposo de Maria!” e se alguém insistir: “Quem é essa Maria?”, não há que vacilar: “é a Virgem imaculada que deu ao mundo Cristo, o Salvador, o Filho de Deus”. José é o esposo da mãe de Deus, o esposo da Rainha dos céus, da Mãe da Igreja, da Mãe de todos nós.
Nunca teremos meditado o bastante estas palavras do Evangelho: “José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus que é chamado o Cristo” (Mt 1,16).
Cada palavra tem um significado profundamente humano e ao mesmo tempo uma relação com o mistério do Verbo encarnado. José não é um personagem fictício, é um homem bem real, ele leva o nome que lhe deram seus pais; ele é o último elo de uma corrente que remonta a Abraão; embora destituído da realeza, ele continua a garantir as promessas que atravessam o espaço e os tempos.
O esposo de Maria. Nada mais importa sobre José, é aquele que tem Maria como esposa. O mistério do Verbo encarnado insere-se desde o início nesta realidade humana grande e bela que é o matrimônio. Isso supõe que dois jovens, José e Maria, olharam-se, amaram-se, prometeram um ao outro fidelidade por toda a vida, a fim de realizarem aquilo que o Senhor lhes pediria. Mistério de amor, mas ainda mais de confiança. José confiou em Maria, e Maria confiou em José. Ou, melhor ainda, o próprio Deus teve confiança em suas criaturas.
Maria, da qual nasceu Jesus. Trata-se aí de uma verdadeira maternidade. Maria é verdadeira mãe, embora não tenha feito uso do matrimônio. Deus manifestou-lhe uma confiança sem limites ao dirigir-se a ela para a formação humana de seu Filho unigênito. Esta mesma confiança recai pela fé sobre José, pois Deus lhe confiou ao mesmo tempo a mãe e o filho. Ninguém jamais amou a mãe de Deus com amor de esposo; ninguém jamais teve sob o seu teto, e no seu lar, durante longos anos, o Salvador do mundo e aquela que lhe deu à luz.
Jesus, que é chamado o Cristo. Toda a missão de Cristo está enunciada nessas palavras. Jesus é realmente o Messias prometido pelos profetas. Jesus, o filho da esposa de José, é deveras o Cristo, o Messias, o Ungido do Senhor; ele é o salvador do seu povo, o vencedor de Satã, o libertador do mundo. É toda a missão do Cristo que vem confiada a José.
Muitas pessoas reclamam por não encontrar nos Evangelhos mais detalhes sobre Maria e José. Parece-lhes que, dados mais precisos sobre seus pais, suas ocupações e suas qualidades teriam preenchido frutuosas meditações. De fato, nada se sabe da sua idade, nem das circunstâncias de seu casamento, nem dos motivos que levaram um filho de Davi a instalar-se em Nazaré. É preciso responder que se Deus tivesse acreditado ser útil para nós uma abundância de detalhes, ele no-los teria dado.
Quando refletimos seriamente sobre os relatos da infância de Cristo, como no-la transmitiram São Mateus e São Lucas, devemos agradecer à Providência pela sobriedade que caracteriza os evangelistas. Qualquer escritor, historiador ou romancista teria dado realce a episódios patéticos, capazes de valorizar seus personagens. Nenhum evangelista usa de artifícios literários para apresentar Maria e José.
São Mateus diz: “José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus” (Mt 1,16). São Lucas escreve: “O anjo Gabriel foi enviado por Deus ... a uma virgem desposada com um homem da Casa de Davi, chamado José, e o nome da virgem era Maria” (Lc 1,26). São João nem menciona o seu nome. São Marcos também não a apresenta, registra apenas os pensamentos do povo de Nazaré: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria?” (Mc 6,3). Que diferença das heroinas do Antigo Testamento, Judite e Ester, por exemplo! Não faltam elogios à beleza delas. Judite “era mulher bela e de graciosa aparência” (Jdt 8, 7). Ester “tinha elegância e formosura” (Est 2,7). Nada disso se diz de Maria.
É particularmente sintomático que São João, mesmo tendo vivido longos anos na intimidade com Maria e, sem dúvidas, recebido dela numerosas confidências, não diga absolutamente nada sobre as circunstâncias da encarnação. Ele não fala da visita do anjo, nem faz alusão alguma ao nascimento de Cristo em Belém. Ele poderia ter-nos dito coisas tão belas! O mais extraordinário é que o nome de Maria não se encontre no quarto Evangelho.
 João resume todo o mistério de Maria nestas palavras: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). São Paulo precisa: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (Gal 4,4). Toda a beleza de Maria está contida nessas poucas palavras. Ela é a mulher que permitiu ao Filho de Deus habitar entre nós dando-lhe sua carne. O Verbo, Luz incriada, invisível, eterna, fixou sua morada entre nós. E Maria foi quem recebeu e revestiu de sua carne essa Luz incriada, para torná-la visível a nossos olhos. “E nós vimos a sua glória, essa glória que ele recebeu de seu Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).
Assim, para São João o que importa não é o nome de Maria, é o seu papel, sua ação, sua vocação. Ela entra em cena entre duas circunstâncias importantes: as bodas de Caná e o Calvário. Cada vez, João a designa não pelo seu nome, mas pela sua função de mãe. É a mãe que intervém nas bodas de Caná, é a mãe que está presente ao pé da cruz, é a sua mãe que Jesus se dirige. Do começo ao fim do ministério de Jesus, sua mãe está presente e atuante. Cada vez, Jesus dirige-se a ela chamando-a não de Maria, mas de “mulher”! Ela é a mulher por excelência, aquela em quem todas as outras estão presentes. Maria é “a mulher” como Jesus é “o filho do homem”; ela é a nova Eva, como Jesus é o novo Adão.
A multiplicidade de detalhes sobre a pessoa de Maria e de José, sobre suas qualidades, suas relações e os mínimos detalhes de sua existência, poderiam fazer-nos esquecer o principal, isto é, o objetivo pelo qual os Evangelhos foram escritos. O Evangelho, disse alguém, é a mais bonita das histórias verdadeiras. Isto é exato se se pretende dizer que tudo quanto está relatado nos Evangelhos é histórico. Mas é insuficiente se olharmos o Evangelho como um conjunto de eventos passados.
Ao lermos os relatos das grandes reviravoltas históricas, das maravilhosas descobertas científicas modernas ou dos belos atos de virtude de todos os tempos, nós podemos ficar interessados, verdadeiramente emocionados, sem que por isso algo venha a mudar em nossas vidas. Com o Evangelho não é assim. Não se trata simplesmente de uma boa notícia, nem mesmo da boa notícia por excelência. É o Evangelho de Jesus Cristo. Isso significa que o próprio Jesus é o Evangelho, a boa e grande novidade que há de alegrar e rejuvenescer todo o mundo. Esta boa notícia diz respeito a todos nós ao nos colocar face a face com Deus.
O Evangelho é Deus que nos interpela e nos obriga a tomarmos uma atitude para com ele e para com a sua criação. Ele nos propõe uma questão de confiança: será que acreditamos no seu grande plano de amor que São João resume nestas palavras: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único, a fim de que todo homem que nele crê não morra, mas possua a vida eterna”? (Jo 3,16). Acolher o Evangelho é deixar penetrar em si a verdade viva, a fé descida dos céus e que deve abraçar todas as coisas.
Maria foi a primeira beneficiária dessa verdade viva, dessa fé descida dos céus, mas, naquele momento ela já se achava comprometida em casamento com José. Ambos estavam ligados intimamente a esse grande acontecimento. Por isso, qualquer estudo sobre Maria e José deve começar com a contemplação daquele que veio tomar um lugar no lar deles. Toda luz vem do Cristo. Maria é inseparável de seu Filho e José é inseparável de sua esposa. Separados de Cristo, José e Maria não despertam nenhum interesse para a história. Inúmeras famílias levam uma vida mais pobre, mais rude e também meritória. Muita gente sofreu mais do que eles a malevolência, o desarraigamento e o exílio.
O que constitui o interesse e o mérito da existência de Maria e José não vem daquilo que eles fizeram ou sofreram, mas sim daquilo que o Senhor realizou neles e por meio deles. Ninguém recebeu tanto quanto eles, mas também ninguém foi tão acolhedor aos dons que o Senhor lhe concedeu. Todo homem, porque criado à imagem de Deus, é capaz de acolher a presença de Deus na sua inteligência como verdade, e no seu coração como amor. Para o batizado, Deus está presente de maneira especial através da graça santificante, das virtudes infusas e dos dons do Espírito Santo. O mérito do homem consiste em aceitar essa presença, essa potência e esse amor, a fim de dar a sua cooperação.
Evidentemente, José e Maria, se beneficiaram dessa presença de Deus comum a todas as pessoas. Aliás, eles se beneficiaram de uma presença e de uma ação especial da parte do Senhor. Maria, mediante sua maternidade divina, e José através dos dons particulares em vista da sua missão junto a Jesus e Maria. Toda beleza de José e Maria não lhes vem daquilo que são, mas da luz que refletem, da mesma forma como toda a beleza da aurora vem do sol que desponta. Eles não são a luz, e sim testemunhas da existência dessa luz e da sua origem divina.
A luz, a luz pura, é o Verbo de Deus que se encarnou em Maria. Bem próxima dessa fonte radiante está a Virgem; ela é o cristal mais puro, o brilhante sem mancha que irradia toda a luminosidade recebida, sem jamais obscurecer o seu clarão. Ao lado de Maria, bem perto dela, pois é seu consorte, está José. Ele se beneficia de maneira única e jamais igualada, da presença de Cristo, vida e luz escondida no seio de sua esposa.
No curso ordinário das coisas, uma criança nunca pode escolher seus pais. Pois ela é o fruto do seu amor recíproco. Ela não pode existir antes deles, nem escolher o tempo e o lugar de seu nascimento. Aqui não acontece o mesmo, porque quem vai nascer criancinha em Belém é o Filho de Deus. É ele que a todos conduz com força e sabedoria; ele é providência e amor infinitos. Ele age livremente e quer que suas criaturas ajam com toda liberdade e espontaneidade. Foi ele quem escolheu os que ele queria que estivessem perto do seu berço.
Se em todas as obras de Deus podemos reconhecer seu poder, sua sabedoria, sua bondade e sua prudência, descobrimos tudo isso especialmente na sua obra prima que é a encarnação. Ele não confiou seu Filho a uma mulher qualquer; Ele não deixou seu Filho e a mãe de seu Filho nas mãos de um homem qualquer. Ele preparou José e Maria para a missão que deveriam desempenhar. Ao mesmo tempo que reconhecemos essa preparação divina, precisamos afirmar uma total liberdade em Maria e José. Eles estiveram plenamente livres na escolha que fizeram um do outro; seu amor foi todo espontâneo, mas Deus serviu-se do amor deles para dar seu Filho ao mundo.