PEGUE O MENINO E SUA MÃE (São José Era Assim... Capítulo XI)


PEGUE  O  MENINO  E  SUA  MÃE

 
O texto do Evangelho não nos deixa o tempo de saborear a beleza do mistério da Epifania, pois após dizer que os magos ofereceram seus presentes, acrescenta logo: “Avisados em uma visão noturna para não voltarem a Herodes, eles partiram para seu país tomando um outro caminho” (Mt 2,12). Segue-se o relato do massacre dos inocentes.
Mesmo que não fossem reis, nem grandes personalidades, os magos eram pessoas ricas e instruídas. Eles se interessavam por astronomia e podiam ausentar-se de suas casas por uma longa temporada sem ter de dar satisfações a ninguém. Assim, podemos estar seguros de que eles empregaram um bom tempo na sua estada junto à sagrada família. Eles estavam cansados, tinham fome e sede, tinham alcançado a meta de sua viagem, logo, eles não tinham nenhuma razão para apressar-se em partir.
De sua parte, José e Maria devem ter feito de tudo para segurar seus hóspedes o mais possível. A hospitalidade oriental não é uma palavra vazia e não é de se supor que José e Maria tenham faltado ao seu dever num ponto tão importante. Depois de oferecer seus presentes, os magos devem ter falado, eles disseram de sua imensa alegria, cantaram a beleza da criança, contaram de sua viagem e de como a estrela tinha aparecido a eles. Maria e José devem ter feito perguntas, pois essa visita era muito importante para eles.
Ouvindo os magos contarem como haviam seguido a estrela, José e Maria não puderam deixar de recordar a mensagem de Simeão no templo de Jerusalém: “Luz para iluminar os pagãos”. Dessa luz, eles haviam recebido a guarda, eles a tinham recebido em depósito, com a missão de velar sobre ela. O próprio Deus revelara o segredo, manifestando aos estrangeiros o nascimento dessa luz. Na verdade, o Senhor não faz acepção de pessoas, todo mundo é chamado a descobrir o Cristo.
A aceitação dos presentes dos magos pôs José e Maria na obrigação de retribuir com alguma coisa; era o mínimo de cortesia. As pessoas bem educadas não podem receber presentes sem crer-se obrigadas a oferecer alguma coisa, sobretudo se são pobres. Um pobre sente-se sempre humilhado quando recebe algo sem poder retribuir. José precisou oferecer algum objeto de sua fabricação, e Maria alguma especialidade de Belém. As horas devem ter passado depressa tanto para os magos, como para a sagrada família. Se Isabel e João Batista exultaram ao ouvir a voz de Maria trazendo Jesus dentro de si no dia da visitação, qual não deve ter sido a comoção dos magos diante do menino e sua mãe!
A primeira das formas de hospitalidade é a refeição em comum. É completamente normal imaginarmos José e Maria esforçando-se alegremente para regalar seus hóspedes e, de sua parte, os magos colocando em comum as provisões que lhe restavam. A Virgem Maria precisou apressar-se lentamente para segurar seus hóspedes o mais possível. Vemos muito bem Maria pegar a farinha, amassar, acender o fogo, cozer a massa enquanto conversava desmanchando-se em atenções. Esse pão cozido sobre pedras dá o sentido ao ‘bolo dos reis’ que se come na festa da Epifania em muitos lugares. É a alegria que nasce do pão partilhado. O verdadeiro pão dado ao mundo por Maria é Jesus; ele é o pão vivo descido dos céus.
Sem nenhuma dúvida os magos devem ter falado de sua visita a Herodes e da idéia que o monarca tivera de vir pessoalmente a Belém render suas homenagens ao menino. Essa perspectiva apagou um pouco a alegria comum. José e Maria tinham coração bom demais para suspeitar das intenções de Herodes, e ao mesmo tempo, eles eram clarividentes demais para não pressentir um perigo. Como se tratava do menino, eles tinham plena confiança no Senhor: ou bem ele mudaria o coração e os planos do monarca, ou bem ele manifestaria sua vontade de uma maneira ou de outra. Assim, foi sem inquietude que Maria e José tomaram sua refeição naquela tarde.
Para os magos, foi a mesma coisa. Malgrado algum pressentimento sobre as intenções de Herodes, eles estavam muito felizes de ter encontrado aquele que procuravam. Se a aparição da estrela, na saída de Jerusalém os havia cumulado de uma alegria sem limites, essa alegria, longe de desvanecer, tinha aumentado durante a estadia junto de Jesus, Maria e José. O que exatamente pensavam eles daquele menino? Ninguém sabe. Só Deus os esclarecia. Seus presentes falam por eles. Santo Irineu explica: “Eles ofereceram mirra àquele que devia morrer, ouro àquele cujo reino não terá fim, e incenso ao Deus dos judeus que se manifesta aos pagãos” (Haer. 3,10).
De fato, os magos tinham algo melhor a fazer do que analisar sua ciência teológica. Eles experimentaram o quanto o Senhor tinha sido bom para eles, o quanto eles tinham tido razão de partir para aquela aventura divina, e marchar mesmo quando a estrela não se mostrava mais. Agora que eles tinham a luz no fundo do coração, sentiam-se transformar em homens novos. O Senhor tinha entrado na vida deles, tudo tinha mudado. Eles podiam retornar e retomar o caminho, bem sabendo que encontrariam novas dificuldades. Dali para frente, eles podiam confiar no Senhor com a certeza de que, o que quer que viesse, eles jamais seriam iludidos. É o itinerário de todos aqueles que seguem a estrela e descobrem o Cristo nos braços de Maria.
Então, os magos não ficaram abalados além da medida quando, durante o sono, receberam uma advertência dos céus recomendando-lhes não retornar à casa de Herodes. Eles não tinham prometido nada a ninguém. Em lugar de voltar para Jerusalém, eles tomaram a rota para Leste. Em algumas horas alcançariam o Mar Morto, podiam contorná-lo ou atravessá-lo de barco. O Novo Testamento não fala mais deles. Uma tradição, talvez tardia, atribui a eles os nomes de Melquior, Gaspar e Baltazar. A cidade de Cologne se gloria de possuir suas relíquias desde a Idade Média.
Após a partida dos magos, um anjo aparece a São José em sonhos e lhe diz: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; tu morarás lá até que eu te avise. Porque Herodes vai procurar o menino para o matar” (Mt 2,13). Nessa circunstância trágica, José se revela um homem de confiança. É a ele que o anjo se dirige pois ele é responsável pela mãe e pela criança. Deus confiou nele e ele, José, confia em Deus sem restrições. O anjo que lhe diz para fugir é o mesmo que lhe havia dito alguns meses atrás: “É ele que salvará o mundo de seus pecados”. Esse menino é o Salvador e ei-lo obrigado a fugir em plena noite. 
São João Crisóstomo já explicava aos seus ouvintes que José poderia ter apontado a contradição presente nas palavras do anjo. José poderia ter dito: “Essa história não está clara, ela é meio ambígua. Pouco tempo faz, tu me dizias que ele iria salvar seu povo, e agora ele não pode nem mesmo livrar-se do perigo? Ele nos faz fugir, empreender uma longa marcha e exilar-se em terra estrangeira? É o contrário da promessa!” E o orador acrescenta logo: “José não fez nenhuma objeção porque era um homem de confiança... Ele não ficou acabrunhado, mas obedeceu de bom coração. Ele confiou ao aceitar com alegria toda sorte de tribulações” (In Mat. 8).
João Crisóstomo é um dos Padres que melhor compreenderam a personalidade de São José. Ele quis mostrar São José não somente resignado com o exílio, mas aceitando de bom coração. Tudo porque ele era um homem de confiança, um homem que se fiava totalmente em Deus e em quem Deus pôs toda confiança. Era alguém com quem Deus e os homens podiam contar. O Senhor lhe diz para partir para o Egito, ele põe-se a caminho. Ele está convencido de que Deus tirará o bem do mal.
José, que era um homem otimista e que vivia à escuta de Deus, descobre a concordância das palavras do anjo, em lugar de ver ali uma contradição. A segunda intervenção era a confirmação e o complemento da primeira. Para compreender essa concordância, basta refletir na semelhança dos termos empregados. Na primeira vez o anjo diz: “Não temas tomar Maria, tua esposa”; o texto ajunta: “Ele tomou sua esposa”. Na segunda visita o anjo diz: “Toma o menino e sua mãe”; e acrescenta: “Ele tomou o menino e sua mãe”.
O verbo principal é tomar, que aqui significa: apoderar-se de, tomar posse, assumir a responsabilidade de, levar, etc. José havia livremente ligado sua vida à de Maria no dia de seu noivado. Ele precisava de uma intervenção divina para aceitar a responsabilidade de uma esposa feita mãe por obra de Deus. O anjo lhe dissera em nome de Deus, para receber sua esposa Maria, e por ela, assumir a responsabilidade pela criança. Aí a criança está em primeiro lugar. O anjo diz: “Toma o menino e sua mãe e foge para o Egito!” José toma o menino e sua mãe. O anjo lhe dá autoridade sobre o menino e sua mãe, ou pelo menos confirma uma autoridade de que José já gozava. Dá-lhe a missão de conduzir o Messias em terras pagãs.
Essa abertura aos pagãos é muito nítida no relato de São Mateus. O evangelista era um judeu. Ora, no seu Evangelho não há nenhuma alusão, nem mesmo indireta, a alguém de sua raça que tenha ido a Belém reconhecer o Messias. Não há um só judeu ao redor do recém-nascido, fora Maria e José. Essa omissão é voluntária, a fim de sublinhar a importância da vinda dos magos a Belém e da viagem da sagrada família ao país do Egito. Só Herodes, um idumeu, é apontado como tendo levado a sério a vinda do Cristo. É a raiva que o torna clarividente.
Após a visita do anjo, José precisou medir com calma as conseqüências práticas da partida para o Egito. Era uma marcha longa e fatigante, grande parte em pleno deserto. O grande problema era o reabastecimento, principalmente de água. Mas os dois sabiam que eles podiam contar com a providência e que, para onde quer que fossem eles tinham consigo o Filho de Deus.
A providência já viera em seu auxílio na pessoa dos magos, pois eles haviam trazido um pouco de ouro, que seria útil para o longo período em que José não poderia trabalhar. E assim, eles partiram discretamente, em plena noite, sem falar com ninguém. Foi prudente para eles e para seus amigos em Belém. José e Maria poderiam ter combinado com os magos e partir com eles. Não o fizeram. A cada um, a sua vocação. Cada um deve seguir, dia após dia, o caminho preparado pela providência. O ponto de partida é o mesmo: o Cristo vindo a este mundo. O ponto de chegada é idêntico: o Cristo glorioso. As vocações não dependem umas das outras, mas tendem todas ao mesmo objetivo: o reino de Deus nos corações.
O que São João Crisóstomo diz de São José: “ele aceita de bom coração”, é preciso dizer também de Maria. Os dois sofreram as fadigas da viagem, mas sofrer quando amamos e por aquele que amamos, torna-se fácil e até desejável. Para eles, vale plenamente a palavra de Santo Agostinho: “Quando amamos, não padecemos; ou, se padecemos, o padecimento é amado”.