NA VIDA DE CADA DIA (São José Era Assim... Capítulo XVII)


NA   VIDA   DE   CADA   DIA


Com certeza, Deus poderia prescindir de São José para dar seu Filho ao mundo; e paralelamente, poderia passar sem Maria. Ele nunca está pobre de meios, nem é condicionado pelas pessoas, ou por algum evento. Ele tudo dispôs segundo a sua vontade com sabedoria e amor. Entre os muitos caminhos pelos quais o Filho de Deus poderia vir até nós, ele escolheu o da Virgem Maria, noiva de José. Por certo, fê-lo com toda a liberdade, e para fazer transbordar a medida de seu amor.
Se o Filho de Deus tivesse vindo ao nosso mundo já na idade adulta, com poder e majestade, ele ter-se-ia imposto pelo exterior; não teria sido um de nós e nós jamais teríamos sido filhos de Deus. Ele teria sido o rei da humanidade, o chefe inconteste, que teria conduzido os homens a seu destino malgrado todos os obstáculos ou resistências. Mas não teria sido nosso irmão. Deus não quer impor-se nem à nossa inteligência como verdade, nem ao nosso coração como amor. Ele quer um movimento espontâneo de coração e de espíritos rumo a ele. Ele gosta de fazer-se procurar, deixar-se encontrar e provocar nosso amor.
As intervenções de Deus são sempre extremamente discretas. Ele pede o consentimento de Maria para vir nela. E vem ao mundo de noite, à parte, longe da multidão e do conforto. Maria e José não disseram nada; são os anjos que anunciam a novidade aos pastores; é o Espírito Santo que revela sua presença a Simeão; é uma estrela que esclarece os magos. Ele tem apenas luz o bastante para provocar um interesse simpático e pôr a caminho os corações retos. A discrição é a primeira marca da presença do Espírito Santo. Muita gente lastima não encontrar no Evangelho uma só palavra de José. Gostariam de conhecer melhor sua fisionomia moral e suas reações em meio aos acontecimentos que transtornaram sua vida. O silêncio do Evangelho nos diz mais do que diriam longos discursos. Nem José, nem Maria tinham a missão de apresentar ao mundo seu menino; não teríamos aceitado o testemunho deles. Sua vocação era acolher o Verbo de Deus, Luz incriada, e esconder o seu brilho por um tempo. Eles não fracassaram em sua missão.
José não tinha nada a dizer ao mundo. Por outro lado, que poderia ele ter dito que se aproximasse um pouco que seja da realidade? Todos os mistérios vividos por Maria e por José não podem ser expressos em linguagem humana. Aquilo que eles experimentaram de Deus no mistério encarnado, não podiam traduzir em palavras; nós seríamos, além disso, incapazes de compreender. Teria que ser o Verbo, Palavra eterna de Deus, a exprimir-se ele mesmo quando quisesse e como julgasse melhor. Além disso, se José e Maria houvessem falado, teriam os judeus dado algum crédito às palavras deles? É pouco provável, pois esperavam um Messias completamente diferente.
Mas, fizeram melhor do que falar, eles agiram. José fez por nós mais com seus atos do que poderia ter feito com suas palavras. Em plena liberdade e com total conhecimento de causa, ele aceitou ligar sua vida à do Verbo encarnado. E aceitou todas as renúncias que essa situação peculiar teria ocasionado a ele. Assumiu a responsabilidade pelo menino, não temporariamente, mas incondicionalmente. Ele aceitou ser o pai do Menino-Deus, pai de um gênero único, pai por ordem de Deus, pai profético, realissimamente pai. Ao mesmo tempo que dava a Maria um coração de mãe, o Espírito Santo formava em José um coração de pai.
A própria Maria, nada falou para tornar conhecido o seu Filho. Ela cantou o seu reconhecimento no Magnificat ao afirmar que o Senhor realizara maravilhas em seu favor, e que o amor e a misericórdia do Salvador estendiam-se de geração em geração. Ela deu somente um único conselho que nos foi conservado no Evangelho, e que nos concerne a todos: “Façam tudo o que ele lhes disser!” (Jo 2,5). São João situa essa frase nas bodas de Caná; ela se dirige em primeiro lugar aos servidores do festim, depois aos apóstolos recentemente escolhidos. Naquele momento, eles não estavam ainda bem certos sobre aquilo que deviam fazer. Nossa Senhora lhes diz: “Façam tudo o que ele lhes disser, tenham confiança nele, vocês não se arrependerão de engajar-se no seu seguimento!”.
José nos dá a mesma consigna, não por palavras, mas por toda sua existência. Ele concentrou todas as suas energias físicas, afetivas, espirituais, intelectuais e outras, em uma aventura aparentemente insana. Ao aceitar que o Messias nascesse em seu lar, ele comprometeu sua tranqüilidade e todo seu porvir. Dia após dia, na rotina do dever quotidiano, ele consentiu em todas as renúncias que decorriam de sua situação desconfortável. Seu mérito foi ter confiado no Senhor dentro de uma existência sem horizontes, nem grande interesse.
O Evangelho não nos diz nada sobre as ocupações de Maria e de José; eram aquelas de todo mundo. Eles santificaram-se em meio a circunstâncias que nada tinham de extraordinário. Nisso, eles podem perfeitamente ser imitados. Entre todos os santos, eles são até mesmo os mais fáceis de se imitar. Alguns dizem que os santos são mais para se admirar do que para se imitar; não é bem assim. Eles não são santos por terem feito tais ou tais coisas, mas por terem cumprido com perfeito amor a vontade do Senhor.
Os estilitas não são santos porque viveram em cima de uma coluna; Joana d’Arc não foi canonizada porque viveu entre soldados e salvou a França; Teresa de Lisieux não é santa por ter entrado no Carmelo aos quinze anos, nem Bernadete por ter visto a santa Virgem em Lourdes. A vida mais dura ou a mais meritória, não é necessariamente a mais santa. A Igreja reconhece a santidade de seus filhos não pelo desempenho deles na mortificação ou na dedicação ao próximo, mas porque eles cumpriram com perfeição a vontade do Senhor no meio em que viviam: e também porque Deus manifesta neles sua ação pelo bem da Igreja.
Nenhum santo cumpriu com tanta perfeição a vontade do Senhor como Maria e José, logo nenhum é tão imitável quanto eles. Mais os santos estão próximos do Senhor, mais eles brilham no mundo. Ninguém esteve tão próximo do Verbo encarnado como Maria, sua mãe, e depois dela José, logo, ninguém é capaz de refletir como eles aquela luz, que é o Verbo encarnado. Ao entrar na intimidade de Maria e de José nós nos aproximamos da luz; podemos desfrutá-la melhor e refleti-la sobre os outros em maior abundância.
Imitar não quer dizer copiar, isso seria um fingimento desajeitado e inútil. Deus, que não cria duas folhas de árvore iguais, não quer santos rigorosamente idênticos; cada um deve ser santo da maneira que Deus quer. As pedras preciosas são diferentes na cor e no valor; todas elas refletem a mesma luz do sol, mas com coloridos extremamente variados. Assim é com os santos e os escolhidos. O Senhor não faz nada em série; em suas obras há sempre harmonia e diversidade. O brilho de uma, não ofusca o das outras; muito pelo contrário, valorizam umas às outras. A Virgem Maria e São José farão todos os eleitos participarem de seu esplendor.
José e Maria, na vida de cada dia em Nazaré, eram como todos os seus contemporâneos, com a mais, uma intensa atividade interior. A Virgem Maria ocupava-se de seus afazeres como todas as outras mulheres; ela girava a mó, joeirava a farinha, sovava a massa para fazer bolachas, e as cozia sobre pedras aquecidas até ficarem brancas. Oh! Aquele pão feito por Maria e servido na mesa de Nazaré para Jesus e José! Aquele pão, ganho por José para conservar no coração do Salvador o sangue que um dia ele haveria de derramar por nós. Na Eucaristia nós recebemos a carne e o sangue de Cristo. É a carne e o sangue que Maria deu ao Filho de Deus e que José nutriu com seu trabalho.
E além da lida prosaica que cabe a uma mãe de família pobre: cozinha, louça, limpeza, colheita de frutos e de legumes, confecção de roupas, provisão de água, etc., havia ainda aquilo que se pode chamar de relações sociais. Maria tinha vizinhos e vizinhas, e parentes mais e menos próximos. Havia os choques inevitáveis; a inveja é de todos os tempos e de todos os países. O povo de Nazaré não era pior do que os seus contemporâneos, e no entanto, nós o vemos enfurecer-se contra Jesus unicamente por inveja. Depois de ficarem cheios de admiração ao ouvir suas palavras na sinagoga, eles se encheram de furor, e levaram Jesus até o alto de um morro para precipitá-lo abaixo (Lc 4,14-30). Seria mesmo surpreendente, que os moradores de Nazaré não tivessem lançado algumas palavras agridoces na direção de Maria, de Jesus e de José. No Oriente, as bênçãos e as maldições chovem facilmente.
José estava ainda mais exposto a essa situação do que Maria, por causa do seu trabalho que o obrigava a numerosas e freqüentes relações. Nós só sabemos indiretamente qual era a sua profissão. Quando Jesus põe-se a ensinar na sinagoga de Nazaré, o povo fica chocado e diz: “De onde lhe vêm essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro?” (Mt 13,55). Ou ainda: “Não é o carpinteiro?” (Mc 6,3). A profissão de Jesus e de José era a mesma. Jesus trabalhou com José e continuou o mesmo trabalho. Ele é designado como operário e filho do operário, sem que se dê noções muito exatas sobre o seu gênero de trabalho. Precisou-se um pouco mais ao traduzir operário por carpinteiro.
 O grego emprega o artigo, o que é importante. Não se trata simplesmente de um operário, mas do operário, isto é, de alguém bem determinado. É a ele que todo mundo recorre para as necessidades do trabalho e da casa. É principalmente o trabalho com madeira em todas as suas utilidades: vigamento, móveis, instrumentos para cultivo, como arado, trenós para debulhar o trigo, forcados para joeirar, etc. Para todo esse trabalho, bastava um instrumental rudimentar: serrote, machado, martelo, plaina, etc. A perfeição do trabalho decorria menos da qualidade da ferramenta empregada, do que da engenhosidade do artesão.
José não era um especialista que se isola ciumento de sua arte; era um artesão hábil a serviço de todos. Sua casa, ou melhor, seu ateliê era um lugar de reencontro para todos aqueles que precisavam consertar algo. Casa aberta a todos, onde todo mundo sentia-se à vontade. Todo tipo de trabalho era pedido a José, quer se tratasse de construções, de manutenção ou de reparação. O trabalho, não se fazia somente no ateliê, mas também ao longe, procurando a madeira e as outras coisas necessárias, ou atendendo clientes que requeriam trabalho em suas casas ou consertos no campo.
Aquela disponibilidade para todas as necessidades dos outros, era para José a conseqüência de sua disponibilidade ao Senhor. Nem tudo era sempre rosas para ele. Havia os clientes descontentes, os impacientes que queriam passar na frente dos outros, aqueles que não queriam pagar ou que precisam ser sempre cobrados; vez ou outra a falta de serviço, ou um muito difícil. Todos problemas que conhecem aqueles que vivem de seu trabalho e que dependem dos outros.