POR QUE VOCÊS ME PROCURAVAM? (São José Era Assim... Capítulo XV)


POR  QUE  VOCÊS  ME  PROCURAVAM?


Os anos passam depressa, a alegria de Maria e de José renova-se sem cessar e cresce. O diálogo torna-se mais fácil com o menino que, pouco a pouco, assume uma parte ativa na vida da família. Ele faz pequenos serviços, acompanha sua mãe à fonte, ou ao encontro de outras crianças e outras mamães. A fonte, única para toda a cidade, torna-se facilmente um lugar de encontro e de comunicação das novidades. Lá, Jesus aprende a conhecer todos os moradores de Nazaré; ele faz perguntas e interessa-se por tudo. Cedo ele começa a freqüentar o ateliê de José e inicia-se no manejo das ferramentas.
Para José e Maria é uma tarefa delicada formar o coração e o espírito desse menino. É de pasmar uma tal responsabilidade. Jesus, como Filho de Deus sabia tudo, como filho de Maria tinha tudo a aprender. Felizmente, sabemos que as luzes do Espírito Santo nunca faltaram a Maria e a José, e que Jesus sempre esteve à altura de seus deveres. Isso está afirmado no Evangelho, lá onde está escrito que “o menino enchia-se de sabedoria e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40). Logo, tudo se passou como se Jesus não fosse mais que uma criança bem dotada e que crescia para a satisfação de todos.
Deus não doa suas luzes a não ser progressivamente, e a experiência não ilumina a não ser a rota já percorrida. Deus intervém quando menos se espera e sua passagem é sempre desorientadora. José e Maria tomaram consciência tragicamente de sua condição frente a Jesus quando ele, inesperadamente, retira-se para longe deles. Jesus tinha crescido; era agora um adolescente cheio de vida que cada um reivindicava para si. Ele acompanhava José na sinagoga, sabia as orações usuais, lia a Escritura, participava das festas e trabalhava já como um jovem. Para José e Maria era a vida de família ideal: união de corações e de espíritos num  amor e numa felicidade sempre renovados.
As festas, para os judeus, tinham uma importância capital, especialmente a da Páscoa, a mais importante. Era um acontecimento religioso, uma festa familiar, uma concentração nacional, uma ocasião de grandes festejos públicos, de um banho de multidão cosmopolita, de reencontro com parentes e amigos, enfim, além de tudo, de transações comerciais fáceis e frutuosas. Desde sua mais tenra idade, as crianças ouviam contar o que se passava em Jerusalém. Inflamava-se a imaginação delas e, desde que tinham condições, tomavam parte nessas caminhadas. Quando ficavam cansadas, os parentes as carregavam nos ombros.
São Lucas nos diz que Maria e José iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. As mulheres não estavam obrigadas a essa viagem, vai daí que Maria fazia mais do que as outras para o serviço do Senhor. Concluímos que Jesus não esperou completar doze anos para acompanhar seus pais a Jerusalém. Estritamente, ele só estaria obrigado às prescrições da Lei a partir dos doze anos. A partir dessa idade, um menino judeu era considerado um jovem responsável por seus atos e capaz de cumprir todas as observâncias religiosas.
É evidente que o Evangelho atribui uma grande importância à peregrinação de Jesus a Jerusalém quando tinha doze anos, pois é o único evento documentado entre o retorno a Nazaré e o início da vida pública. O texto reza: “Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando ele tinha doze anos, eles subiram segundo o costume da festa” (Lc 2,21). Parece que José e Maria deviam ficar em Jerusalém durante todo o tempo da festa, pois está escrito “segundo o costume da festa”; isso queria dizer oito dias de festividades. Somando-se três ou quatro dias para ir e outros tantos para voltar, perfaz-se uma ausência de pelo menos uns quinze dias.
Era uma viagem de mais ou menos cento e vinte quilômetros, a serem vencidos em três ou quatro etapas. A peregrinação realizava-se em fins de março ou começo de abril, quer dizer, na mais bela das estações na Palestina. O céu era de uma pureza excepcional, o ar puro e vivo, os campos cheios de perfumes primaveris e do canto dos pássaros, por toda parte flores e colheitas que amareleciam. A caminho, cantavam, conversavam, contavam as novidades, faziam novas amizades. A alegria dilatava os corações e essa alegria renovava-se e crescia a cada ano.
Desde a mais tenra infância, os judeus eram banhados num ambiente extraordinário na ocasião da festa de Páscoa. Sem dúvidas, alguém podia comer o cordeiro pascal em família, na sua aldeia, mas nada eqüivalia à festa celebrada com todo o povo em Jerusalém. A finalidade não era rezar em Jerusalém, nem comer em Jerusalém, mas sim rezar juntos, comer juntos, cantar juntos, alegrar-se juntos. Nada melhor para forjar uma alma comum e estreitar os laços de amizade. Muitas discórdias e inimizades desapareciam assim, como por encanto.
Punham o pé na estrada com entusiasmo; cantavam os salmos em ordem crescente ou decrescente, em particular o salmo 121: “Oh, que alegria quando me disseram: vamos à casa do Senhor!” Em Jerusalém visitavam o templo, reencontravam parentes e amigos, rezavam juntos, purificavam-se, participavam de cerimônias religiosas, dos cortejos, dos cantos de multidão. Melhor do que tudo, comiam o cordeiro pascal por família ou por grupos; recordavam os fatos maravilhosos da saída do Egito e todas as intervenções de Deus por seu povo.
Quais eram os sentimentos de José e de Maria durante as festas da Páscoa judaica? Não sabemos. Para eles a saída do Egito tinha um sentido especial e enchia-lhes a lembrança de fatos antigos e recentes. E para Jesus, que significado teria o cordeiro pascal? Era ele o verdadeiro cordeiro pascal, logo, o outro não passava de figura. Seu próprio sangue devia selar o pacto da nova e eterna aliança.
Naquele ano, José e Maria deviam estar em festa mais do que de costume por causa dos doze anos de Jesus. Parentes e amigos devem ter ido felicitar o adolescente e seus pais. Um tal acontecimento provoca algumas reuniões de família a mais, com comidas delicadas e cantos de circunstância. Tudo se passa em euforia e ninguém podia suspeitar das provas que viriam a entristecer o amanhã de uma tão grande festa. Amiúde o Senhor, para revigorar a nossa fé e estimular a nossa bravura, semeia alegrias em abundância aos  nossos passos antes de colocar alguma tribulação extraordinária.
O último dia de festa era tão solene quanto o primeiro. Todos estavam cansados, saturados de orações, bêbedos de entusiasmo, orgulhosos de pertencer ao povo do Senhor. Os Hosana! Fundiam-se mais belos dentro da fumaça do incenso e o odor acre dos sacrifícios. No dia seguinte, punham-se em marcha numa balbúrdia indescritível. O grande número de pessoas, de camelos, de asnos e de animais abatidos para os sacrifícios e o abastecimento, sem contar as carcassas de bois e de cordeiros imolados os milhares, tudo concorria para aumentar a confusão nas ruas estreitas e nas escadas. Era impossível agrupar-se na partida e era preciso reencontrar-se já a caminho, ou em alguma parada.
Na manhã da partida, Jesus estava com seus pais. Durante toda a festa, ele não mostrara nenhum problema, de forma que não era preciso ocupar-se dele mais do que o necessário. Ele já tinha idade de tomar iniciativas. Além disso, parentes e amigos disputavam sua presença. De modo que José e Maria não se preocuparam por não vê-lo junto deles a caminho de casa. Caía a tarde, quando todos os peregrinos de Nazaré agruparam-se para comer e repousar, José e Maria esperavam que Jesus fosse aparecer; mas ele não veio. Um pouco surpresos, mas não ainda inquietos, eles perguntaram a todos aqueles que encontraram. Todos conheciam aquele menino maravilhoso, mas ninguém o havia visto no caminho.
Foi primeiro a surpresa, depois o temor e por fim a angústia. Por que aquela ausência? O que deviam fazer? Em momento algum, Maria e José puseram a hipótese de Jesus ter-se perdido no caminho e que, cedo ou tarde, os alcançaria em Nazaré. Um atraso de alguns dias não os teria amedrontado. O que, então, eles temiam? Um acidente? Aconteciam tantos naquela confusão, mas isso eles teriam ficado sabendo. Alguém teria avisado os parentes, ou levado o ferido até eles. Um rapto? Era sempre de temer-se durante as festas, onde tantos indesejáveis se misturavam com os peregrinos. E ainda, José e Maria lembravam-se da profecia de Simeão: o menino seria um sinal de contradição; lembravam-se de Herodes e do massacre dos inocentes; eles tinham renunciado a viver na Judéia por causa de Arquelau, e Arquelau continuava no poder. Não teria Jesus caído em suas mãos?
À inquietude que lhes vinha pela ausência de Jesus somava-se outra, igualmente dolorosa, a situação em que ele se encontraria. De repente, um vazio imenso cresceu dentro deles. Até aquele momento, eles não tinham vivido senão por aquele menino, e eis que, de um só golpe, ele desaparecia de suas vidas, quiçá para sempre. Perguntavam-se se não seria por culpa deles, se eles teriam feito o bastante por ele. Pode alguém fazer o bastante para Deus? Eles eram tão felizes com aquela criança! Agora, suas vidas não tinham mais nenhum sentido. Porque teria ele partido sem avisá-los?
Uma outra fonte de inquietude, sem dúvidas a principal, vinha das Escrituras, que eles haviam lido e relido juntos tantas vezes. Os profetas anunciaram um Messias sofredor, escarnecido, torturado, relegado entre os malfeitores. A paixão já teria começado? O pensamento de que Jesus poderia estar sofrendo aquilo que os profetas tinham anunciado, e que sofria sem eles, partia-lhes o coração. Ou então, como havia acontecido com certos profetas, teria Jesus sido elevado pelo Espírito de uma forma misteriosa sem que ninguém soubesse onde ele seria deposto, nem quando reapareceria? Todas essas suposições eram incapazes de devolver o menino a seus pais.
José e Maria sofreram, então, aquilo que os místicos experimentam em suas noites escuras, o tormento da ausência de Deus. Para eles, a noite foi sem sono, pensemos bem. Desde o raiar do dia, eles retomaram o caminho de Jerusalém perguntando a todos os passantes. A segunda noite foi ainda mais dolorosa do que a primeira. Eles não tinham nenhum clarão de esperança. Enfim, no terceiro dia, eles ficaram repletos de emoção. Podemos compreender com facilidade os seus sentimentos. Todos os andaimes de sua imaginação, vinham abaixo diante de uma realidade tão simples. Jesus estava lá, sentado pacificamente em meio aos veneráveis doutores, sem se preocupar com o drama que tinha provocado.
São Lucas escreveu: “Ao cabo de três dias, eles o encontraram no templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e interrogando-os. Todos aqueles que o escutavam, ficavam estupefatos com a sua inteligência e as suas respostas” (Lc 2,46). Foi então que José e Maria pararam um momento para ouvir e admirar. Aquele não era o círculo habitual de alunos ao redor de um mestre; Jesus tinha-se tornado o centro de interesse para todo um grupo de intelectuais.
José reflete e contempla; Maria, mais intuitiva e espontânea, intervém de repente, com o risco de parecer indiscreta aos olhos dos doutores. Ela é humana demais e só escuta o seu coração de mãe. Só lhe importa o seu filho; ela lhe diz: “Meu filho, por que você fez isso conosco? Veja, seu pai e eu estivemos procurando por você cheios de angústia!” (Id.). Jesus não responde a essa pergunta. Ele não tem que dar explicações. Faz ele mesmo outra pergunta; cabe a ele tomar a iniciativa: “Por que vocês me estavam procurando? Vocês bem sabem que eu me ocupo dos afazeres de meu Pai!” Diante daqueles doutores da Lei, que perscrutam as Escrituras e esperam o Messias, Jesus declara que ele tem um Pai a quem ele deve consagrar toda sua existência. Assim, ele convida discretamente seus ouvintes a procurar a sua verdadeira identidade e a concentrar sua atenção no essencial.